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Julio Wiziack é editor do Painel S.A. e está na Folha desde 2007, cobrindo bastidores de economia e negócios. Foi repórter especial e venceu os prêmios Esso e Embratel, em 2012

Fiquei perplexo com caso da Americanas, diz 1º presidente da CVM

Roberto Teixeira da Costa afirma que contabilidade pode ter viés interpretativo

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São Paulo

Roberto Teixeira da Costa, que foi o primeiro presidente da CVM nos anos 1970, diz ter ficado perplexo ao saber do problema bilionário no balanço da Americanas. Ele considera cedo para tratar como má-fé, leniência ou falta de clareza nas regras. Diz que a contabilidade é um tema de grande complexidade e tem forte viés interpretativo.

O economista também acha cedo para tomar conclusões sobre os rumos do governo Lula. Seu livro mais recente, publicado em 2021, "O Brasil tem Medo do Mundo? Ou o Mundo tem Medo do Brasil?", sobre o país e o contexto internacional, ganha reedição em inglês neste ano, mas teve de ser todo atualizado para abarcar tantas transformações recentes. Ucrânia, mudança de governo e até Pelé foram citados.

Roberto Teixeira da Costa, o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) - Caio Guatelli - 26.nov.10/Folhapress

Seu novo livro, de 2021, aborda o isolamento internacional do Brasil. Como avalia hoje, depois dos últimos acontecimentos? O meu livro "O Brasil tem Medo do Mundo? Ou o Mundo tem Medo do Brasil?" deve ser lançado em março ou abril em inglês.

Foi interessante porque o livro foi lançado há um ano e meio. Agora, praticamente tive de rever todo o texto, porque nesse período houve modificações tão grandes no cenário nacional e internacional. A pandemia teve desdobramentos, eu acrescentei comentários sobre a Guerra da Ucrânia, e pelo menos algumas linhas sobre eleição do Lula e suas repercussões no cenário internacional.

E os editores concordaram quando eu pedi para fazer um parágrafo adicional sobre o Pelé. É curioso falar de Pelé no contexto de relações internacionais, mas nas minhas viagens, no mundo todo, o nome dele era citado. O Pelé foi uma abertura de portas fantástica para o Brasil.

E o qual foi o peso dessas modificações? A palavra inacreditável é algo que voltou para o meu vocabulário com frequência. As coisas que estão acontecendo me surpreendem em tal escala. Hoje, quando me perguntam se eu acho que alguma coisa é possível, eu acho que tudo é possível. É uma sucessão de acontecimentos, aqui e no exterior, que me deixam perplexo.

Essa semana, tivemos notícia de que o Biden também tinha documentos secretos guardados em casa. O Trump foi martelado, e agora o Biden também tinha. O ministro da Justiça aqui deixa um rascunho em casa de um possível projeto ou o nome que se queira dar para uma intervenção no sistema democrático. É inacreditável que ele tenha pensado nisso e mais inacreditável que tenha guardado esse documento em casa.

E a repercussão internacional disso e das invasões em Brasília? Temos de dividir em duas partes. O apoio internacional ao Brasil foi imenso. Até a Rússia, que invadiu a Ucrânia, fez manifestação de apoio, o que também entra na categoria do inacreditável.

Agora, independentemente desse evento, o mundo está querendo que o Brasil dê certo. Por quê? Neste mundo conturbado que estamos vivendo, onde alianças foram quebradas, com busca de liderança no mundo, disputa de hegemonia entre China e EUA, tudo isso cria um ambiente de incertezas enorme, além da questão climática.

Voltando a Brasília, eu acho que os desdobramentos disso, a curto prazo, são um apoio externo e interno muito grande. Se vai perdurar, depende do que vamos ter pela frente. Sobre Bolsonaro, se, de um lado, seria bom trazê-lo para o país, fazer julgamento etc, por outro lado, eu tenho sentimentos estranhos. Acho que o ideal é que Bolsonaro ficasse lá fora. A nossa agenda interna, econômica, política e social é de tal natureza, que a presença dele aqui vai desviar atenção. Vamos ficar discutindo isso, se vai para a cadeia, se não vai. Nós não devíamos estar concentrados na solução do problema fiscal, do crescimento econômico, da pobreza e da fome, que o presidente tem enfatizado?

Por outro lado, passar uma borracha em cima também não dá. É complexo.

E o que prevê na economia? Tenho me negado peremptoriamente a fazer julgamentos. Falam em cem dias. Eu só vou fazer julgamentos do governo Lula daqui a seis meses. Temos que dar tempo ao tempo. Continuo dando crédito de confiança ao presidente Lula. Acho que tem as ideias corretas. Agora, a execução é que é o problema.

Qual é a sua opinião sobre esse caso do problema de R$ 20 bilhões no balanço da Americanas? No caso Enron houve descoberta de fraudes contábeis, a ação caiu para US$ 1 e o presidente da empresa foi para a cadeia. A auditora Arthur Andersen quebrou e saiu do mapa. Nesse caso das Americanas, eu fiquei, como grande parte do mercado, perplexo. É uma empresa que fez parte do nosso cotidiano desde criança. De forma nenhuma eu imputo má-fé.

No início dos anos 2000, fui convidado para ser membro do IASB (International Accounting Standards Board). A ideia era ter um sistema de normas contábeis que fosse universal. Contabilidade, se não formos iniciados, parece uma coisa muito simples, é débito, crédito. Esse tempo de IASB me mostrou que a contabilidade é uma coisa de extrema complexidade, porque ela tem um viés interpretativo do qual nós não nos damos conta. Terá havido má-fé das pessoas que geriam a companhia e não faziam a contabilidade correta dessa questão dos fornecedores ou foi feito para inflar resultados? Não estou fazendo nenhuma afirmação.

Uma das coisas positivas do capitalismo é a participação dos empregados nos lucros, os chamados stock options [opção de compra de ações]. No caso Enron, numa das razões principais, os acionistas inflavam os resultados porque tinham stock options e queriam que as ações subissem.

Voltando ao caso da Americanas, acho que temos de esperar um pouco para entender realmente o que aconteceu. Se terá sido ma-fé ou apenas leniência ou tolerância, ou as regras contábeis não eram suficientemente claras. Como uma empresa como a PwC engole um sapo desses? São coisas que temos de dar tempo ao tempo.


Raio-X

Atuou em instituições como Banco de Investimento do Brasil e Unibanco e na instalação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) da qual foi o primeiro presidente até 1979. Também é fundador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), membro do conselho de administração do Interamerican Dialogue de Washington, entre outros postos.

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