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Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

Aquilo que você não sabe não prejudica Trump

'Desacelerem os exames', ele disse, e isso está acontecendo

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Agora estamos no estágio da pandemia da Covid-19 em que Donald Trump e seus aliados tentam suprimir informações sobre a difusão do coronavírus –porque é exatamente isso que eles estão fazendo. Mas como vem acontecendo desde o começo, eles ficaram muito para trás da curva. Do ponto de vista político (o único que os interessa), seus esforços de desinformação vieram tarde demais, e sem força suficiente.

Aqui estamos: dentro de alguns dias, milhões de americanos sofrerão uma queda drástica em suas rendas, quando os benefícios expandidos aos desempregados expirarem. Isso requereria ação urgente; no entanto, evitar uma calamidade econômica estava fadado a ser difícil, de qualquer forma, porque os republicanos em geral relutam em fornecer a assistência de que os trabalhadores a quem a pandemia deixou sem emprego necessitam.

E agora parece existir mais um obstáculo a qualquer ação: uma disputa interna no Partido Republicano sobre verbas para exames e para o rastreamento de indivíduos infectados. Até mesmo os republicanos do Senado apoiam uma ampliação no número de exames de coronavírus, que é desesperadamente necessária diante de nossa situação atual. A disparada no número de casos resultou em uma defasagem nos exames, e os resultados deles estão demorando tanto tempo para sair que se tornam inúteis para todos os fins práticos.

Presidente dos EUA, Donald Trump, na Casa Branca - Jim Watson/AFP

Mas os funcionários do governo Trump se opõem à concessão de novas verbas para exames. E nem mesmo tentam oferecer desculpas, porque Trump em pessoa explicou a estratégia em seu comício de Tulsa, um mês atrás: se o número de exames for expandido, ele disse, “vamos encontrar mais casos, e por isso eu instruí meu pessoal a desacelerar os exames, por favor”.

Em outras palavras, o que você não sabe não prejudica Trump.

Ninguém deveria se surpreender por a equipe de Trump estar tentando suprimir más notícias sobre a pandemia. Isso era completamente previsível, levando em conta a Lei de Projeção de Obama: todas as teorias de conspiração da direita sobre o presidente Barack Obama representavam uma indicação do que os republicanos desejavam fazer assim que tivessem o poder.

Você se lembra, por exemplo, dos rumores absurdos sobre uma iminente tomada de controle militar sobre o governo do Texas, tratados com seriedade por republicanos importantes? Agora temos agentes não identificados do Departamento de Segurança Interna circulando pelas ruas de Portland, Oregon, em veículos anônimos e detendo pessoas nas ruas. Lembra-se das insinuações de que o governo estava secretamente construindo campos de concentração? Milhares de imigrantes agora estão encarcerados em centros de detenção, em muitos casos sob condições horríveis.

E a guerra em curso contra os exames para detectar a Covid-19 foi prefigurada pelas constantes acusações de que o governo Obama estava suprimindo más notícias sobre a economia. O pessoal que queria a “verdade sobre a inflação” insistia em que o governo federal estava ocultando a inflação descontrolada que a direita previu mas jamais aconteceu. Os direitistas que queriam a verdade sobre o emprego –entre os quais, notavelmente, um certo Donald Trump– declaravam que os números oficiais do emprego que demonstravam melhora constante na economia eram uma falsificação, e que o desemprego era na verdade muito mais alto do que o governo vinha reportando.

Portanto, era inevitável que os devotos de Trump viessem a fazer o que falsamente acusaram Obama de fazer, ocultando os números desfavoráveis sobre a pandemia. Os esforços para restringir o número de exames são apenas parte da história.

O governo Trump recentemente ordenou que os hospitais suspendessem a transmissão de dados ao Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), ordenando que eles os reportassem a uma empresa terceirizada, em lugar disso. Como resultado, os números sobre internações hospitalares, um indicador crucial sobre a pandemia, desapareceram do site do CDC, antes que uma onda de protestos levasse ao seu retorno.

E alguns estados controlados pelos republicanos, especialmente a Geórgia, vêm adulterando há meses os dados sobre o coronavírus, apresentando-os de maneiras enganosas que minimizam o problema.

O mistério é por que o ataque aos exames demorou tanto tempo a surgir. Uma dica aos profissionais: se você quer esconder más notícias epidemiológicas, precisa começar a fazê-lo antes que todo mundo perceba que a pandemia está em expansão e escapou ao controle.

Uma fascinante autópsia do The New York Times sobre o fracasso da resposta de Trump ao coronavírus nos ajuda a compreender o que aconteceu. E quero dizer literalmente autópsia: os americanos estão morrendo de coronavírus em ritmo oito vezes superior ao do Canadá e 10 vezes superior ao da Europa.

O relato do jornal deixa claro que a equipe de Trump jamais considerou seriamente qualquer tentativa de lidar com a realidade da pandemia. Também deixa claro, além disso, que as autoridades se convenceram em abril de que escapariam impunes dessa abdicação de responsabilidade, e que o coronavírus desapareceria.

E quando elas perceberam que o vírus não estava colaborando com seu joguinho político, era tarde demais para ocultar a verdade.

A esta altura, não está claro nem mesmo a que propósito político obstruir os exames deveria servir. A tentativa de engendrar um boom econômico antes da eleição já fracassou, porque os estados que reabriram suas economias estão revertendo o curso. Trump já desperdiçou toda a credibilidade que o governo poderia ter com relação ao coronavírus; mesmo que o número de casos reportados subitamente comece a parecer muito melhor, quem além dos partidários mais leais do governo acreditaria nisso?

Assim, o que está acontecendo parece menos uma estratégia política do que um esforço para consolar o ego frágil do patrão. Trump continua a insistir, falsamente, em que o único motivo para que estejamos vendo tantos casos da doença é que o número de exames é excessivo, e por isso seus assessores estão tentando se enquadrar ao restringir os exames.

E se isso paralisar a resposta americana à pandemia, tornando impossível uma estratégia de teste, rastreamento e isolamento dos focos de contágio, bem, enfrentar de verdade o vírus nunca foi parte do plano.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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