Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.
Por que Neneca, goleiro do Flamengo, tem de ser Hugo Souza?
Rejeitar apelido é recusar história do Brasil e também nosso dia a dia
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Nelson Rodrigues costumava escolher seu personagem da semana, em suas colunas semanais na Manchete Esportiva e, mais tarde, em O Globo. Seu primeiro eleito foi Didi, numa crônica em que o chamou de “Príncipe Etíope de Rancho”. De uma tacada só, consagrou o craque com seu apelido e seu epíteto.
Hoje, os jogadores precisam ter nome e sobrenome, porque dirigentes e assessores de imprensa morrem de medo das alcunhas.
Meu personagem da semana é Neneca.
O goleiro craque fechou o gol contra o Palmeiras, fez defesas improváveis contra o Independiente del Valle, foi convocado por Tite com o nome de Hugo e estreou no Flamengo com o sobrenome Souza já incorporado. Neneca virou Hugo Souza.
Pode ser só Hugo, nenhum problema. Mas a pergunta é por que o futebol passou a ter medo dos apelidos. Há um mês, o dilema era Mosquito, que tinha de ser Gustavo Silva. Dez anos atrás, o Corinthians também tentou transformar Dentinho em Bruno Bonfim. Não pegou.
Rejeitar o apelido é recusar a história do Brasil e também o nosso dia a dia. Um jornalista chamado Chico Silva, apelido de Francisco, decidiu unir minhas iniciais e me chamar de PVC. À parte a primeira reação –queria matá-lo!– , hoje eu adoro.
Já imaginou um ponta-de-lança chamado Edson Nascimento? Não iria a lugar nenhum, a começar pelo fato de que não seria chamado de ponta-de-lança, mas de meia-atacante. Recusamos até os velhos nomes: meia-direita e meia-esquerda. Há seis décadas, o ponta-de-lança era Pelé.
Verdade que o futebol mudou, mas não precisava ser tanto a ponto de a Espanha ter Xavi, Isco e Rodri, enquanto o Brasil transforma o seu Neneca em Hugo Souza.
Óbvio que essa não é uma das questões essenciais de nossa decadência futebolística, mas talvez seja um dos pontos morais de nossa decadência civilizatória. O futebol sempre foi retrato de nossas ruas. José Carlos Amaral Kfouri é Juca. Eduardo Gonçalves de Andrade é o Tostão.
Se os colunistas da Folha atendem por codinomes, por que Neneca tem de ser Hugo Souza?
Quando o imenso zagueiro Djalma Dias morreu, seu filho Djalminha pediu para ser chamado de Djalma Dias. Hoje, perguntaríamos: “Qual Djalma? O pai ou o filho?”.
Júnior aposentou-se e Júnior Baiano pediu para que deixassem de lado o adjetivo relativo ao estado onde nasceu. Imagine hoje, quando alguém perguntasse se você se lembra do zagueiro Júnior. Qual? Júnior Baiano, poxa!
O Neneca mais famoso foi campeão pernambucano pelo Náutico, em 1974, e brasileiro pelo Guarani, em 1978.
À parte como se chame os jovens jogadores, a semana mostrou como ainda é possível descobrir talentos por aqui.
Neneca, o personagem da semana, fechou o gol em dois jogos. Só o também menino Patrick de Paula conseguiu vencê-lo. Gabriel Menino foi chamado pela seleção, Natan e Ramon convenceram a exigente torcida do Flamengo, o Corinthians está descobrindo Rony e Xavier, o São Paulo escala Diego Costa, Igor Gomes e Gabriel Sara.
Por outro lado, o Botafogo vendeu Luís Henrique, e o Fluminense negociou Marcos Paulo.
Todos têm enorme talento e nenhum tem apelido. Provavelmente, nenhum vai ficar muito tempo aqui para nos alegrar, como ficaram Pelé e Garrincha.
Feliz aniversário
O Morumbi completa 60 anos com duas lembranças: de quando era a casa dos clássicos, antes de eles voltarem a ser jogados com cada clube em seu estádio; também de ter sido o transformador do São Paulo em gigante mundial. Hoje, o antigo maior estádio particular do mundo espera por dias melhores.
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