Jornalista e autor de "Escola Brasileira de Futebol". Cobriu sete Copas e nove finais de Champions.
Racismo no futebol terá um antes e um depois de PSG x Istanbul Basaksehir
Episódio de Paris é uma fronteira na luta que precisa haver no esporte
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Flávio era centroavante do Fluminense no final da década de 1960. Namorou a filha de um diretor, e o fato de ser negro provocou retaliação da diretoria. Os jogadores foram obrigados a entrar pelo portão lateral das Laranjeiras, em vez da porta social.
Um dia, ao chegar ao treino, o técnico Telê Santana deu de cara com o portão fechado e seus craques tentando pular o muro para treinar. Solidário, fez o mesmo e foi flagrado pelas câmeras dos jornais com a bunda para cima, bem no meio do salto.
A história era contada por Sérgio Martins, o repórter de Placar que desvendou a Máfia da Loteria Esportiva, em 1982. Confesso que procurei e jamais encontrei registro escrito do caso.
Mas o relato poderia se juntar ao livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, de Mario Filho, editado pela primeira vez em 1947. São indicações de que o racismo é um dos mais ferozes inimigos do esporte há mais de um século.
Só que o futebol jamais usou todas as armas possíveis contra ele.
Verdade que perde a guerra contra outros adversários históricos, como a violência das torcidas. Mas luta. Em diferentes partes do mundo, há hooligans neonazistas, fascistas e xenófobos.
Embora existam em grande escala e já tenham provocado suspensões de jogos em fases decisivas de Champions League –Internazionale x Milan, nas quartas de final de 2005, por exemplo–, os violentos são tratados há décadas como inimigos mortais do futebol.Daí existir relativo controle.
É diferente com o racismo. Ainda que a Fifa e a Uefa tenham feito campanhas, sempre evitaram o que houve na terça-feira (8), em Paris, com a suspensão de PSG x Istanbul Basaksehir.
Assistente técnico do clube turco, o ex-atacante Pierre Webó foi chamado de negro pelo quarto árbitro, o romeno Sebastian Coltescu.
A Uefa fará vistas grossas para a apuração do caso. Alegará que Coltescu fazia sua última atuação internacional e que Webó o chamou de cigano, em referência à sua origem, na Romênia, país de enorme comunidade cigana.
Mesmo que a Uefa menospreze o crime, o episódio de Paris é uma fronteira na luta que precisa haver do futebol contra o racismo. Nada será como antes.
Todos os jogadores juntos, recusando-se a prosseguir a partida com Coltescu. Todos afirmando: “Não vamos continuar enquanto ele não sair daí". A troca do quarteto de arbitragem, com o holandês Danny Makkelie chamado às pressas para continuar o jogo, no dia seguinte. A vitória do PSG com cinco gols de craques negros, Neymar três vezes e Mbappé duas.
Hoje, a luta contra o racismo parece mais fundamental para Neymar. Em 2010, declarou à colunista Sonia Racy, do Estadão, que jamais sofreu qualquer tipo de preconceito: “Até porque eu não sou preto, né?”.
Quatro anos mais tarde, mobilizou-se a favor de Daniel Alves, agredido por um criminoso da arquibancada do estádio do Villarreal, que atirou uma banana ao campo. Daniel comeu a banana.
Neste ano, Neymar denunciou injúria racista do zagueiro espanhol Alvaro González, num clássico contra o Olympique de Marselha. Terça-feira (8), o brasileiro foi um dos mais mobilizados para impedir o reinício de PSG x Basaksehir.
A Fifa e a Uefa nunca terão intenção de suspender uma partida e transferi-la para outra data, mas serão obrigadas a fazer isso outras vezes.
O racismo no futebol terá um antes e um depois de PSG x Istanbul Basaksehir. Como a tragédia de Heysel, com a morte de 39 torcedores em 1985, fez o futebol tomar uma decisão contra os hooligans. Era outro tipo de violência.
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