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Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

Uma mãe campeã da América

Tamires sempre ouviu aqueles famosos clichês de 'futebol não é pra mulher'

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Foram 23 dias longe de casa para disputar seis jogos em 15 dias numa altitude de 2.800 metros. Para tornar tudo ainda mais desafiador, o caos dos protestos que tomaram conta de Quito deixou as atletas presas no hotel por uma semana, sem conseguir nem sequer treinar.

Teve também crise de estômago, que fez algumas delas passarem mal, e o fôlego que era difícil encontrar com tantas partidas seguidas disputadas em um lugar onde o ar é tão rarefeito. Diante de tudo isso, ela foi campeã. Tamires e o Corinthians conquistaram a América com mérito e muita superação nesta semana.

O título veio para coroar um trabalho muito bem feito pelo clube e também para recompensar a genialidade dessa jogadora que trouxe tanto brilho para o time alvinegro desde que chegou.

Tamires, do Corinthians, durante partida da equipe alvinegra pela semifinal do Campeonato Paulista de Futebol Feminino 2019 - Leonardo Sguac - 25.set.19/Photopress/Folhapress

Tamires, que havia perdido um dos pênaltis que custou ao Corinthians o título brasileiro (conquistado pela Ferroviária), dessa vez deu o passe preciso que furou a defesa do time de Araraquara e fez a equipe alvinegra abrir o placar em Quito. Aí o time faz 2 a 0, é bicampeão da Libertadores e, na volta para casa, Tamires reencontra a realidade que a sociedade queria para ela. 

Na ida ao pediatra com o filho de 10 anos, Tamires e o marido César estiveram no consultório, mas só ela ouviu a bronca.

"Mãe, tem que alimentar o filho direito". O pai dele, claro, foi isento da chamada de atenção. Afinal, cuidar dos filhos é função de quem?

Ao longo de toda a carreira, há pelo menos dez anos (desde que o filho nasceu), Tamires teve de responder àquelas perguntas sem sentido: "quem cuida do seu filho enquanto você joga bola?" Engraçado que o marido dela, que também foi jogador de futebol, nunca ouviu esse questionamento.

Mal sabia a pediatra que Tamires passou os últimos 23 dias no Equador, conquistando a América dentro de campo, e a função de "alimentar o filho" ficou com o pai dele, que por sinal dá conta do recado muito bem. Na volta dela, o menino pôde abraçar orgulhoso a mãe campeã da Libertadores e se inspirar nela para seguir acreditando que um dia também vai realizar sonhos grandes assim, seja em campo ou fora dele.

Em 15 anos de carreira, Tamires sempre ouviu aqueles famosos clichês de "futebol não é pra mulher". E se já não era para ela como mulher, seria menos ainda como mãe. Ela parou duas vezes de jogar para cuidar do filho e acompanhar a carreira do marido. Mas seu amor pelo futebol era tão grande que Tamires precisou voltar.

Hoje, nós, brasileiros, precisamos agradecer por isso. Começou com ela nosso gol mais bonito da Copa em cima da Austrália (na caneta que ela deu antes de tocar para Debinha cruzar para Cris), e saíram dos pés dela tantos lances geniais da seleção brasileira e do Corinthians em campo. Sua persistência a levou ao seu título mais importante: um filho que tem na mãe sua maior inspiração de vida.

É por essas e outras que a gente precisa parar de repetir alguns clichês, mesmo que eles não apareçam na maldade. Alimentar (cuidar) os filhos é uma responsabilidade da mãe e do pai. Reunião da escola é para "pais" (mãe e pai), não exclusivamente para mães --como pareceu a última a que César foi e se viu como o único pai presente no meio das mulheres. E futebol é para quem quiser jogar. 

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