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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Lamentar lamentavelmente

Tchernóbil é uma cidade da Ucrânia. Tentem não respirar pela boca, tá OK?

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A forma como Bolsonaro lamentou a morte de João Gilberto foi, há que dizê-lo, lamentável. De fato, ficou
claro que o presidente lamenta lamentavelmente
, e isso levanta questões interessantes. 

Quem lamenta de modo lamentável é insensível ou é um magnífico estilista que adequa sagazmente a forma ao conteúdo? Haverá melhor forma de lamentar do que lamentavelmente? Lamentar com classe não poderá demonstrar que o lamentador não está assim tão abalado por aquilo que diz lamentar, uma vez que até tem presença de espírito para se revelar uma pessoa decente? São perguntas com as quais me tenho debatido nesta semana.

Talvez valha a pena examinar o lamento de Bolsonaro e decompô-lo nas partes principais. Deixem-me só calçar luvas e colocar a mola no nariz. Disse ele, sobre João Gilberto: “Era uma pessoa conhecida. Meus sentimentos à família, tá OK?”.

Na minha opinião, o lamento é constituído por três componentes: uma constatação de fato sobre um dos aspectos mais óbvios e menos relevantes do falecido, uma expressão de condolência trivial e um “’tá OK?”. 

O “tá OK?” talvez seja o elemento mais inovador. Não é frequente acrescentar a pergunta “’tá OK?” a uma afirmação formal ou solene. “Te amo, tá OK?” é uma declaração que se ouve pouco. Assim como é raro alguém dizer: “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, tá OK?”.

No entanto, Bolsonaro achou que um “’tá OK?” ficava bem no fim dos pêsames. As pessoas estranharam, mas grandes inovadores começam por enfrentar a incompreensão do público.

Os outros componentes do lamento também são interessantes, sobretudo pelo seu despojamento e simplicidade. 

Que dizer na hora da morte? Uma espécie de torpor infantil deixa-nos sem palavras. “Era uma pessoa conhecida.” Como quando uma criança, na escola, tem de escrever um dever de casa sobre “a vaca”. “A vaca é um animal que nos dá o leite, e a pele para fazer sapatos. Meu obrigado à vaca, tá OK?” 

Pela minha parte, lamento que Bolsonaro não lamente mais coisas. Felizmente, agora que temos o modelo, já sabemos o que ele teria dito noutras ocasiões. 

“O Titanic era um barco muito grande. Agarrem-se bem às boias, tá OK?” “Tchernóbil é uma cidade do norte da Ucrânia. Tentem não respirar pela boca, tá OK?” “As Torres Gêmeas eram prédios muito altos. Foi uma pena, tá OK?”

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