Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.
Interferência de Bolsonaro na Rússia só seria piada se guerra tivesse sido evitada
Presidente disse que, coincidência ou não, tropas de Putin tinham se retirado da fronteira com a Ucrânia durante sua visita
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Quando eu era pequeno tinha um volante de plástico que se colava às costas do banco da frente do carro através de uma ventosa. Se eu, no banco de trás, coordenasse os meus movimentos com os do adulto que dirigia o automóvel, parecia mesmo que era eu quem o dirigia.
Coincidência ou não, pensava eu, o carro vira à esquerda quando eu rodo o volante para a esquerda, e vira à direita quando eu rodo o volante para a direita. Pensei nesse brinquedo quando Bolsonaro disse que, coincidência ou não, parte das tropas de Putin tinha se retirado da fronteira com a Ucrânia durante a sua visita à Rússia.
Depois, o ex-ministro Ricardo Salles publicou um tuíte com uma montagem em que a CNN atribuía a Bolsonaro o mérito por ter evitado a terceira guerra mundial. Quando a guerra começou, a tendência geral foi para dizer que o caso tinha sido, na verdade, uma brincadeira. Mas qual parte?
Quando o presidente sugeriu que talvez fosse por sua causa que as tropas tivessem se retirado, a piada era que as tropas tivessem se retirado ou que a responsabilidade fosse sua? É que as tropas não tinham se retirado, pelo que ele não poderia ter sido responsável por um não acontecimento.
E quando Salles publicou o tuíte, a piada era que a CNN tivesse dito aquilo ou que a guerra não fosse eclodir? Porque, mais uma vez, nem a CNN tinha dito aquilo nem a guerra deixou de eclodir.
Insinuar que Bolsonaro era responsável pela retirada das tropas só seria uma piada se as tropas tivessem se retirado. E supor que a CNN o apresentava como responsável por ter evitado a guerra só teria graça se a guerra tivesse sido evitada.
É estranho que Bolsonaro e bolsonaristas sejam capazes de proporcionar tanta comédia sem, no entanto, saberem como a comédia funciona. De Ricardo Salles, pelo menos, eu não esperava isto.
Recordo que ele é o autor de uma das piadas mais bem-sucedidas da história do humor brasileiro. Quando, durante quase sete anos, convenceu as pessoas de que tinha feito um mestrado em Yale.
É raro uma pegadinha durar tanto tempo. Sobretudo sendo patentemente falsa. Yale é um pouco como a Câmara dos Deputados: entre Salles e Tiririca, o segundo tem muito mais hipóteses de entrar.
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