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Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

Avivamento evangélico nos EUA é exemplo de como a religião é imprevisível

História religiosa é moldada tanto pelo que é místico e pessoal quanto pelo que é institucional e sociológico

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Em uma carta de 1822 ao médico Benjamin Waterhouse, Thomas Jefferson expressou sua confiança de que o cristianismo tradicional nos então jovens Estados Unidos estava dando lugar a uma fé mais esclarecida, muito parecida com a de Jefferson em sua rejeição à divindade de Jesus Cristo. "Eu confio", escreveu ele, "que não há um jovem vivendo hoje nos Estados Unidos que não morrerá como unitarista."

Menos de um ano antes, em "uma noite de sábado no outono de 1821", no interior do estado de Nova York, um jovem chamado Charles Grandison Finney havia iniciado uma interação de vários dias de oração e experiência mística que o levou a um momento em que, como ele escreveu mais tarde, "parecia que eu encontrei o Senhor Jesus Cristo cara a cara... Ele ficou diante de mim, e eu caí a seus pés e derramei minha alma a Ele. Chorei alto como uma criança e fiz todas as confissões que pude com minha fala sufocada".

Culto na universidade de Asbury, na cidade de Wilmore, no estado de Kentucky (EUA) - Reprodução

Essa experiência colocou Finney num caminho que ajudaria a enterrar a hipótese confiante de Jefferson –no sentido da liderança em uma era de reavivamento, o Segundo Grande Despertar, que forjou a forma de cristianismo evangélico que dominaria a América no século 19 e também encorajou a proliferação de novas seitas com crenças sobrenaturais totalmente distantes da religião iluminista de Jefferson.

Essa história vale a pena mencionar por uma razão específica e uma geral. A razão específica é que uma faculdade cristã na zona rural de Kentucky, a Universidade Asbury, acaba de experimentar um reavivamento à moda antiga –uma manifestação de várias semanas que manteve os alunos orando e cantando na capela da escola de manhã à noite. Isso atraiu dezenas de milhares de peregrinos de todo o país, capturou a imaginação da internet e até chamou a atenção do New York Times.

A razão geral é que qualquer que seja o impacto de longo prazo do Asbury Revival, a história de Finney e Jefferson é um lembrete de que a história religiosa é moldada tanto por irrupções repentinas quanto por longas trajetórias, tanto pelo místico e pessoal quanto pelo institucional e sociológico.

Especialistas seculares que escrevem sobre religião tendem a salientar as profundas forças estruturais que moldam a prática e a crença –os efeitos da industrialização ou da revolução científica, da suburbanização ou da pílula anticoncepcional. Os intelectuais religiosos tendem a enfatizar os debates teológicos e as estratégias de evangelização. (Os cristãos devem ser cativantes ou combativos? As igrejas devem se adaptar à modernidade liberal ou resistir a suas lisonjas?)

Essas ferramentas analíticas são sempre importantes; o sociológico não desaparece só porque o místico chegou de repente. Em outra coluna, sugeri uma ligação entre a aparente crise na saúde mental dos adolescentes e o declínio do cristianismo organizado, e minha colega do Times, Ruth Graham, relatando de Asbury, observou que os depoimentos sobre cura no avivamento são "esmagadoramente sobre saúde mental, trauma e desilusão". Tampouco, à sombra do numinoso, a estratégia deixa de importar: o encontro na estrada para Damasco criou o apóstolo Paulo, mas sua carreira depois disso foi toda organização, pregação, escrita de cartas e couro de sapato (ou sandália).

Mas as próprias experiências permanecem irredutivelmente imprevisíveis. Por que Asbury? Por que Saulo de Tarso? Por que Charles Grandison Finney?

Uma cultura religiosa única existe em Mountain West porque um dos contemporâneos de Finney no interior do estado de Nova York acreditava ter recebido uma revelação do anjo Moroni. Indiscutivelmente, o movimento mais importante dentro do cristianismo global hoje existe por causa de um reavivamento que começou com um pregador afro-americano e seus seguidores orando juntos numa parte pobre de Los Angeles em 1906.

E posso citar capítulo e versículo sobre a razoabilidade do teísmo, mas na cadeia causal da história eu sou um cristão porque, 2.000 anos atrás, um grupo heterogêneo de provincianos na Palestina romana acreditou ter visto seu professor curar os enfermos e ressuscitar os mortos e depois se erguer transfigurado da sepultura –e então porque, dois milênios depois, quando criança no subúrbio de Connecticut, vi meus próprios pais caírem no chão e falarem em línguas.

Se essas experiências correspondem à realidade definitiva não será discutido aqui. Meus pontos são sobre observação e expectativa.

Quando se trata do futuro religioso, você deve seguir as tendências sociais, mas também sempre esperar o inesperado –reconhecendo que toda fé organizada pode desaparecer amanhã e algum encontro espiritual ressuscitará a religião em pouco tempo.

Se você está tentando discernir o que poderá ser uma espiritualidade pós-cristã, então o que os buscadores pós-cristãos estão experimentando e o que (ou quem) eles afirmam estar encontrando importa tanto quanto qualquer rótulo religioso específico que possam reivindicar.

E se você está imaginando uma renovação do cristianismo americano, todos os melhores planos –estratégias pastorais, debates teológicos e linhas de tendência de longo prazo– podem importar menos do que algo que acontece em algum lugar obscuro ou para algum indivíduo obscuro, em cujas visões um futuro totalmente inesperado pode estar tomando forma.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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