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Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

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História do poste ilumina o agora

De Pitta a Aras, metáfora está fincada no vocabulário politico nacional

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No dia 18 de agosto de 1996, a Folha publicou uma entrevista com o publicitário Duda Mendonça que merece constar nos anais das metáforas expressivas do vocabulário político brasileiro.

Assinada por Marcos Augusto Gonçalves, a entrevista tratava da ascensão de um nome até recentemente menor na política paulistana: o de Celso Pitta, então candidato favorito a prefeito – e eleito poucos meses depois.

Ex-secretário de Planejamento de Paulo Maluf, que o lançara como seu sucessor, Pitta tinha a fama de ser uma invenção política do seu guru, um desses sujeitos sem brilho próprio que entram no jogo como títeres, testas de ferro de alguém mais poderoso, de quem se esmeram em cumprir as ordens.

Celso Pitta, então candidato do PPB à Prefeitura de São Paulo, ao lado de Paulo Maluf durante carreata; ao fundo, prédios do projeto Cingapura - Folhapress

Um poste, pois é. Pobre Pitta. A fama de "poste do Maluf" grudou nele de tal forma que parece seguro afirmar que ninguém fez mais pela consagração dessa metáfora no vocabulário político nacional, ainda que a expressão viesse de algum passado indefinido, como parece ser o caso.

"Muitos diziam que o prefeito seria incapaz de transferir votos", perguntou a Folha a Mendonça. "Você e o Maluf estão conseguindo eleger um poste?" O entrevistado, em seu papel, respondeu que aquilo era besteira e que a população, nada boba, não votava em qualquer um: "Depende da gestão".

Ficou nisso, como era natural que ficasse. Pelo menos desde a promulgação da atual Constituição, oito anos antes, o Brasil vivia num regime democrático pleno depois de mais de duas décadas de ditadura militar. Não passava pela cabeça de ninguém tentar calar quem o chamasse de poste. O jogo era aquele mesmo.

Dilma Rousseff e Fernando Haddad, a quem o epíteto pouco mimoso foi aplicado neste século, também devem ter ficado chateados com a fama de serem "invenções" de Lula, mas não judicializaram suas mágoas.

O que terá mudado? Penso nisso ao ler a notícia, publicada na terça (23) por Mônica Bergamo, de que o ex-procurador-geral da República Augusto Aras ainda sente as dores do tuíte, publicado na divulgação de uma coluna deste jornal, em que Conrado Hübner Mendes o chamou de "poste-geral da República".

Aras está contestando a decisão da Justiça Federal de não dar prosseguimento à sua queixa-crime contra o colunista, que teria atentado contra sua "trajetória de vida imaculada, pessoal e profissional".

Em outubro do ano passado, o desembargador Marcus Vinícius Reis Bastos viu na ação movida pelo ex-PGR de Jair Bolsonaro o intuito de "intimidar quem exerce a liberdade de expressão".

Talvez esteja aí a diferença. Enquanto estava bem vivo na memória nacional o repúdio – "ódio e nojo", como diria Ulysses Guimarães – ao tempo de arbítrio e sufoco em que era possível calar os críticos na base da força, até um político de direita como Celso Pitta jogava o jogo democrático com desenvoltura.

O Brasil mudou. A direita também. Nos tempos escuros à frente, a história da palavra poste ajuda a projetar alguma luz.

As trapalhadas da Abin bolsonarista me lembraram a relação entre os verbos espiar e espionar. O primeiro existe em português desde o século 15, enquanto o segundo data do século 19.

Sinônimos não perfeitos, eles marcam uma trajetória de institucionalização do ato de vigiar, observar secretamente. Espiar é para amadores, espionar para profissionais – ou, como se vê agora, para "profissionais" que fazem qualquer amador parecer um 007.

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