Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.
AMLO frustra sonho da 'Quarta Transformação' no México
Gestão de Andrés Manuel López Obrador é apenas regular; eleição presidencial ocorre neste domingo
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Em discurso de campanha, o presidente Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, afirmou que promoveria a "Quarta Transformação" do México.
Nos últimos dias, a candidata favorita às eleições deste domingo (2), Claudia Sheinbaum, apadrinhada por AMLO, vem afirmando que trabalhará na radicalização desse movimento. De que falam ambos? Os fatos indicam uma mudança para valer no país?
A ver. Quando criou o termo "Quarta Transformação", também chamado de 4T, o atual presidente se referia a três outros processos marcantes da história do país.
Primeiro, a independência, um longo conflito armado que ocorreu de 1810 a 1821, ao fim do qual o México deixou de ser uma colônia espanhola para se transformar numa nação.
Depois, a reforma, um conjunto de guerras entre liberais e conservadores que aconteceu de 1858 a 1861 e que culminou com a separação entre Igreja e Estado. Neste período, o grande protagonista foi Benito Juárez, primeiro indígena a ser presidente de um país latino-americano, responsável por sua modernização e pelo fortalecimento de suas instituições.
Por fim, a Revolução Mexicana, conflito armado que durou de 1910 a 1917. A princípio, tinha como objetivo terminar com o regime autoritário de Porfírio Díaz. Depois, devido às iniciativas de distintos líderes regionais, acabou promovendo uma democratização do país, o reconhecimento de diversos direitos sociais e humanos, além de uma reforma agrária. A revolução culminou ainda com a Constituição de 1917, considerada pioneira na região.
Como se pode ver, cada momento, de fato, trouxe uma enorme transformação para o México. Por mais que AMLO tenha tido essa ambição e afirme que se identifica com Benito Juárez, seu governo não pode, nem de longe, ser comparado com nenhum desses três acontecimentos anteriores.
Quando deixar o posto, em dezembro, López Obrador terá governado boa parte de seu período com alta popularidade. Tão alta que conseguiu deixar sua apadrinhada na boca do gol para a votação deste domingo.
Os números da macroeconomia, para tempos pós-pandêmicos, não estão ruins. Além disso, apesar de seu posicionamento ideológico, AMLO se rendeu às exigências americanas para tentar conter as ondas de imigrantes e conseguiu manter o país como importante sócio comercial dos EUA. Também alcançou vitórias do ponto de vista social ao aumentar o gasto público e promover políticas de distribuição de renda.
Pelo lado negativo, centralizou o poder, ameaçou a entidade eleitoral, não combateu a violência a jornalistas e não conteve, como prometeu, a expansão dos cartéis da droga e seu rastro de morte. Ao contrário, eles ficaram ainda mais fortes e internacionais, ameaçando populações de outras fronteiras ao sul do continente.
Foi um presidente com uma política exterior modesta, que praticamente não saiu do México, viajando para os EUA um par de vezes e marcando presença no aniversário de 50 anos do golpe de Estado no Chile, em 2023. Fora isso, esteve na América Central e na Colômbia em visitas pontuais.
Desde o princípio, anunciou que se concentraria nos problemas mexicanos de modo prioritário. Mesmo com o desejo de governos de esquerda sul-americanos de se alinhar com o México de AMLO, este, realista, deixou claro que o foco da política externa de seu país são os EUA.
Ou seja, um governo apenas regular, não o de uma transformação como as que evocou em discurso.
Inclusive, AMLO perderia mesmo para outros momentos históricos em termos de impacto neste século, como a Revolta de Chiapas (1994), que obrigou os mexicanos a colocar os olhos numa realidade esquecida, ou os governos de Lázaro Cárdenas (1934-1940), que nacionalizou o petróleo, ou do hoje opaco Adolfo López Mateos (1958-1964), que nacionalizou a indústria elétrica e promoveu reformas na educação pública, reforçando seu caráter laico.
Antes de se autoposicionar no panteão dos grandes presidentes mexicanos, López Obrador deve se medir com antecessores que de fato elevaram o México mundialmente. Quanto a seu sucessor lhe restará enfrentar enormes desafios, como a imigração ilegal e a corrupção, antes de imprimir sua marca.
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