Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.
Bernardet questiona longevidade de pacientes em relação ao capitalismo
Crítico de cinema disse que interromperia tratamento de câncer para não se tornar objeto
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Na década de 1990, o escritor e crítico de cinema Jean-Claude Bernardet declarou publicamente que estava com Aids: “Nós, os soropositivos, não temos por que nos esconder, não vamos viver no medo”, e escreveu o texto ficcional “A Doença, uma Experiência”, reproduzido integralmente em “O Corpo Crítico”, uma obra humana, sensível, bem-humorada e corajosa.
O autor conta que, naquele período, se sentiu muito estimulado e profundamente criativo, além de a proximidade da morte o libertar de todas as chatices. Relata ainda que, ao aceitar “dialogar com a doença”, escapou de se converter em seu objeto, em uma vítima: “Não quero me tornar uma diva da Aids”.
Depois disso, em meio a um trabalho acadêmico intenso e bastante reconhecido, sofreria ainda de meningite, perderia parte da visão e seria diagnosticado duas vezes com câncer.
E foi com a intenção de propor um debate sobre “a relação entre cliente e sistema médico” que Bernardet expôs em uma rede social que interromperia o tratamento para o seu segundo câncer (de próstata). Chamou esse texto de “Insubmissão” e recebeu diversas mensagens. Alguns amigos começaram a se despedir, supondo que se encontrasse em estado terminal. Outros enxergaram em seu ato “uma linda lição de liberdade”.
Mais do que levantar a discussão entre seus conhecidos, o que Jean-Claude deixa bem claro nesta obra é o seu propósito de “se assumir como sujeito diante do seu tratamento”. Para ele, “o paciente é coisificado, não tem sua dignidade minimamente respeitada” e “a longevidade é uma necessidade industrial. Laboratórios farmacêuticos, fabricantes de máquinas de ponta para diagnósticos por imagem e outras finalidades, hospitais precisam da nossa ‘bio’ – o que não quer dizer a nossa vida – para lucrar”.
Ao ser encaminhado para a máquina de radioterapia, “que cuspia raios fulminantes e então relaxava após o gozo”, o autor começou a pensar que a origem daquele aparelho gigante era a indústria armamentista, “assim como o micro-ondas da sua cozinha”, e que os especialistas que o atendiam eram “metade humanos metade robôs”, repetindo tratamentos-padrões e minimizando —porque fazia parte do protocolo— seus efeitos colaterais.
Com dificuldade de ter uma conversa mais franca e íntima com alguns de seus médicos, passou a reconhecê-los como “sacerdotes de uma forma de religião que podemos chamar de vitalismo” e se convenceu de que era o seu câncer que queriam tratar, e não o sujeito diante de si, o paciente, ele enquanto ser humano.
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