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Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

Da lei do mais forte à lei do mais mentiroso

Falta tempo, disposição e mecanismos para verificar se o que chega via aplicativos é real

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Pouco importa a verdade. Na atual tentativa de reconfigurar o pacto social e civilizatório, visando materializar os desejos e obsessões pessoais como se universais fossem, o que passa a ter mais valor é aquilo que se quer acreditar, não no que se tem para acreditar. Uma "pós-verdade" que depende apenas da insistente —e, por vezes, convincente— negação dos fatos.

Se com a destruição gradativa da credibilidade das informações concretas o que se esfarela feito poeira é o entendimento sobre o contemporâneo, sobre o que se vive realmente, o retorno a um status de barbárie colocará a humanidade diante de um novo paradigma: da "lei do mais forte" à "lei do mais mentiroso".

Cerimônia pública de carregamento e lacração de urnas eletrônicas. - Rivaldo Gomes - 21.set.2022/Folhapress

Você acorda cedo para trabalhar. Não há segredo algum, novidade alguma, apenas mais um dia de luta e cansaço. Faz o seu corre, garante o sustento, tenta se informar minimamente, mas se repara em um constante estado de dúvida. Não se trata da curiosidade que dita os caminhos do saber, do que querer saber, mas da desconfiança diante daquilo que se apresenta com contumaz genuinidade. Falta tempo, disposição e mecanismos efetivos para investigar, apurar e verificar se o que chega via aplicativos de mensagens, redes sociais e até mesmo imprensa é factual. Você está com a cabeça cheia, não quer ter que lidar com mais esta preocupação.

"Será que ele fez isso mesmo?", "estão dizendo que isso aconteceu de tal maneira... Achei estranho, mas não sei, vai saber, né?", "Ah, hoje em dia todo mundo mente, a única coisa que eu sei é que tá tudo ruim". O não saber, a saber, pode ser o campo fértil para que vigaristas semeiem seus criminosos e falsos grãos, cujos frutos, enquanto vagas promessas, adocicam as ideias, mas não os lábios, pois ao darem no pé, podres já nascem. E é deste pomo que se mente quanto ao doce sabor da mentira.

Corrida eleitoral. Não há segredo algum, novidade alguma, apenas mais um período no qual as táticas nefastas de perpetuação de patranhas ganham destaque. Seria isso, um mais do mesmo, se o presente não trouxesse o âmbito digital como novo cenário —ou solo— para a plantação compulsiva de calúnias. Hoje, vive-se um momento inédito. Prelúdio, talvez, de brutal seca de legitimidade.

Falseia-se passado, presente e até futuro; vende-se irreais conquistas; elabora-se promessas que, na verdade, são mais apostas do que garantias; busca-se trilhar o já conhecido caminho do "ódio à política" para que seja possível destruir os debates, reflexões e complexidades que as democracias, por essência, possuem; e nada vinga senão a performance de candidaturas "rebeldes" que buscam lutar por pautas conservadoras com métodos disruptivos a tratar da inverdade como se instituição fosse. Há, entretanto, um ponto a ser indagado: e quando se quer acreditar na mentira por imposição de uma realidade insuportável?

Enganar as populações pobres e vulneráveis. Não há segredo, novidade alguma, apenas o desejo daqueles que sonham com o poder, geralmente traduzido como dinheiro. Tratar tais populações como intelectualmente inferiores, cognitivamente limitadas e passíveis de manipulação descarada se torna o tema central de alguns e algumas que buscam voto. Como enganar melhor? Como seduzir melhor?

Polir-se-á o fruto. Diante do faminto, falará do sabor antes mesmo da mordida. Depois de anunciado, o gosto saberá que já ganhou a boca. Basta aguardar o trêmulo abocanhar de quem há tempos não sabe o que é comer. Pouco importará se por dentro o que se tem é o oco deixado pelo implacável e inevitável apodrecimento a lembrar a tudo e todos da finitude.

Abocanha-se a mentira porque, antes de ser revelada como tal, parece de um doce talvez nunca provado antes. Um doce impossível, irreal, falso, difícil de se crer: mas fácil, muito fácil de se querer. O desejo se sobrepõe à verdade. A vontade, quando muita se tem, pois quase nada se possui, é imperativa.

Na "lei do mais mentiroso" o que importa não é a verdade, mas sim o quão verossímil parece ser o semear de lorotas.

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