Veny Santos

Escritor, jornalista e sociólogo, é autor de "Batida do Caos" e "Nós na Garganta".

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Pela democracia, é necessário combater ideias fascistas nas periferias

É preciso dialogar com aqueles e aquelas que seriam os primeiros fadados ao extermínio por tal ideologia

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Em 2018, quando o resultado das eleições foi anunciado, lembro-me que senti uma profunda angústia e, em seguida, que precisava dormir para trabalhar. Não havia tempo para sair às ruas contestando um resultado amargo, mas real, que refletia a vontade da maioria.

Não dava para me colar no para-choque de um caminhão como se fosse adesivo de movimento golpista. Perdia-se, à época, o entusiasmo para avançar com debates que visavam progresso social a partir de sua diversidade, mas não o senso do ridículo, pelo menos.

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Manifestantes a favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) protestam na Praça Duque de Caxias, na Central do Brasil, no centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/Folhapress

Nada como um dia após o outro dia" —Racionais deram a letra e nós decoramos.

Interessa-me pensar o povo pobre para além das tais políticas públicas prometidas durante e após a disputa eleitoral que são, na verdade, o mínimo a lhe ser devolvido. As elites sempre saem no lucro, a classe média acha seu jeito de manter os privilégios que tem em todos os espaços —à direta, à esquerda, ao centro. Interessa-me, sempre, o fundo.

Quatro anos nos quais as periferias foram expostas ao reacionarismo descarado. Uma exposição que impactou na própria percepção de si mesmas e dos outros. Evidenciou-se com o desfecho de 30 de outubro que, mesmo a população mais pobre tendo livrado o país de mais um mandato no qual o reacionarismo fincaria suas raízes fascistoides, muitas regiões submetidas à vulnerabilidade social abraçaram notícias falsas, crimes de informação, discursos de ódio e medo empregado para causar a sensação de que futuro não haveria caso o lado inimigo vencesse. Foram manipuladas, forçadas, compradas e expostas a uma torrente de palavras de ordem que, na verdade, buscavam o oposto: caos.

Questiono, desde já, quais serão os "como" que precisarão ser trabalhados pelos setores da sociedade que tanto disseram se comprometer com a democracia. A vontade da maioria é, neste Brasil atual, a de um povo preto, não branco, pobre e sem tempo e disposição para idolatrar pneus.

Consequentemente, defender a democracia é, antes de tudo, fornecer aos mais vulneráveis conhecimento para combater o espectro antidemocrático. Conhecimento —informação apurada, contextualização histórica, crítica embasada em fatos, articulação da teoria à prática, não só cartilha de militância.

Como as novas lideranças ou figuras de influência que dizem lutar pelas regiões mais pobres vão equilibrar o tempo gasto no Twitter e podcasts com trabalho de base, formação de organizações autônomas e combate aos discursos fascistas nas periferias?

Como a grande mídia, que se anuncia a serviço da democracia, irá equilibrar o paywall que garante seu sustento com o acesso a informações relevantes e apuradas que permitam às comunidades das quais se encontra à margem se proteger de falsas informações? Como as ditas esquerdas irão lidar com o pacto entre alguns setores religiosos e as frentes fascistas que cooptaram a fé para tirar dela munição e não mais comunhão?

Como não permitir que os principais aspectos do fascismo, que vão desde a total banalização do ódio e desejo de extermínio do outro à aversão ao conhecimento e diversificação dos segmentos sociais, sequestrem as mentes e suprimam o proceder do trabalhador e da trabalhadora que somente durante os debates e horários políticos foram invocados para uma conversa olho no olho?

Em meu primeiro texto neste espaço, versei sobre a diversidade enquanto estratégia de sobrevivência nas áreas ditas periféricas. Como evitar que tirem de nós tal artimanha a partir de um discurso antipluralidade?

Interessa-me, desde já, desde ontem, pensar no povo de luta, articular e agir por ele. Ideais fascistas não podem se criar onde vivem aqueles e aquelas que seriam os primeiros fadados ao extermínio por tal ideologia. Não podem se criar em lugar algum. Se durante as eleições disputaram pelo imaginário dos indecisos, agora, irão buscar o dos decididos que escolheram pela democracia. "Não vai pra grupo, irmão", assim espero.

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