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Mulheres chefes de família no Nordeste lutam para garantir comida para todos

Em 2020, região apresentou maior número de pessoas em insegurança alimentar grave

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Matheus Santos
Recife

O Nordeste apresentou, em 2020, o maior número de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave. Segundo a pesquisa do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, a região tinha no final do ano quase 7,7 milhões de pessoas sem acesso regular a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua sobrevivência.

Entre os lares brasileiros que estão nessa situação, 11% são chefiados por mulheres e 7,7% por homens, de acordo com a pesquisa. Uma das chefes de família em luta contra a fome é Ana Cristiane da Silva, 44, moradora da Beira da Maré, comunidade no bairro da Imbiribeira, zona sul do Recife.

Ana Cristiane da Silva, 42, com a filha mais nova Pamela da Silva, 2 no colo. Catadora de produtos recicláveis, a moradora da comunidade Beira da Mare, zona sul do Recife (PE), luta contra a insegurança alimentar desde o começo da pandemia - Leo Caldas/Folhapress

Cristiane trabalhava como catadora de itens recicláveis antes da pandemia. Com a crise sanitária, viu sua renda de até R$ 800 por mês desaparecer. "Todo mundo parou, não tinha mais o que coletar", diz.

Hoje, recebe R$ 375 por mês do auxílio emergencial e faz faxinas a R$ 100 para sustentar a casa em que vivem ela, quatro filhos e o irmão, Francisco Isaque, 39.

A vulnerabilidade da família é evidente, quando o assunto é insegurança alimentar. "Às vezes, quando meus filhos me dão um dinheiro a mais, compro ovos, salsicha, feijão e óleo", afirma. "Carne, compro de vez em quando, um pedaço."

O esforço diário é para que a filha mais nova, Pâmela, 2, não fique sem refeição (iogurte, biscoito, suco), como ocorre com os adultos da casa. "De manhã, a gente não come nada. Muitas vezes, a primeira refeição é o almoço. Às vezes, a gente come no café, mas está mais difícil por causa da minha casa que desabou."

Jeniffer Lívia, 39 (de máscara), na casa que ela sustenta na comunidade Irmã Dorothy, no Recife, com filhos, nora e netas - Leo Caldas/Folhapress

Cristiane conta, entre lágrimas, que o imóvel em que moravam ruiu, em meio a uma obra da prefeitura na rua. "Com as máquinas, a casa começou a rachar e desabou. Agora pagamos aluguel. Não fosse isso, seriam R$ 300 a mais para a comida", diz.

Nascida em Mossoró (RN), mas moradora do Recife há mais de 30 anos, Cristiane diz que a situação prejudica sua saúde, já afetada por um quadro de hanseníase. "Passei um ano fazendo tratamento, tomando remédio forte, e não tenho aquela alimentação para me sustentar. Agora estão surgindo manchas, o médico quer saber se voltou."

A cerca de dois quilômetros dali fica outra comunidade, Irmã Dorothy, onde Jeniffer Lívia, 39, mãe de cinco filhos, comanda a casa. Desses, quatro moram com ela, além de uma nora e duas netas. A única renda é a de Lívia. O filho mais velho, Washington, trabalha como barbeiro, mas vive em outro lugar.

Lívia trabalha de segunda a sábado em um restaurante, sem carteira assinada, e recebe R$ 200 por semana. Atua às vezes como garçonete em festas e eventos, para conseguir mais dinheiro.

Na casa com três quartos, sala, cozinha, banheiro e quintal, a falta de água encanada já prejudica o preparo adequado da comida. "Se tivesse, era muito melhor do que água de poço, que é boa para tomar banho, lavar prato. Mas não para cozinhar. A gente pega água na casa da minha nora e traz em garrafão."

O consumo de carne virou raridade para a família Silva. "No lugar, compro ovos, mortadela, hambúrguer, empanado de frango. A situação piorou de 2019 para cá, e com a pandemia se agravou", diz. "Fruta é difícil comer aqui. Compro quando posso", conta Lívia. No café da manhã, a mãe diz que parte dos filhos come miojo. "É mais barato."

A troca brusca de comida in natura por embutidos e outros alimentos ultraprocessados, com o alto consumo desses itens, pode trazer consequências perenes para a saúde, lembra o nutricionista Bruno Valença.

Ricos em sódio e conservantes, esses produtos "agravam riscos de hipertensão arterial, diabetes, anemias, inflamação de baixo grau no intestino, diminuição de cognição, dificuldade de aprendizado, de crescimento, e mortalidade perinatal".

Na opinião de Valença, pessoas com doenças preexistentes —como é o caso de Ana Cristiane, que come mal e trata a hanseníase— além de gestantes, puérperas e crianças de até 5 anos deveriam receber atenção prioritária das políticas públicas de combate à insegurança alimentar.

O nutricionista reforça que esse é um conceito que vai muito além da saúde. ‘‘É preciso que haja políticas econômicas envolvendo inclusive emprego, para que o país saia dessa situação.’’

O caderno especial Cadeias Alimentares contou com apoio do Instituto Ibirapitanga

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