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Criticado, Ministério da Saúde agora orienta procurar médico cedo

Ministro muda orientação 'fique em casa'' para 'vá ao hospital' para casos leves

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Brasília

Alvo de críticas pela ausência de um plano nacional de resposta à epidemia da Covid-19, o Ministério da Saúde aposta agora em uma mudança nas orientações a pacientes como estratégia para tentar diminuir a curva de mortes, que já superam a marca de 100 mil vítimas.

A tentativa de trocar o “fique em casa”, indicado para pacientes com sintomas leves, para o “vá imediatamente ao médico” começou em julho.

Agora, a ideia é reforçar a mudança em novas campanhas para diagnóstico precoce e com aumento de centros de triagem na atenção básica, porta de entrada no SUS.

“É a ideia de que você não deve ficar em casa isolado, sozinho, doente, até sentir falta de ar. Antes falava-se que a melhor maneira de tratar era aquela, e não é que era errado, era a orientação naquele momento”, disse à Folha o general Eduardo Pazuello, que chefia a pasta interinamente há 84 dias.

“Hoje se descobriu que a melhor maneira de tratar é buscar o atendimento básico, e o médico diagnosticar, acompanhar o tratamento e passar os medicamentos que achar que deve passar.”

A alteração, no entanto, divide especialistas e é contestada por ex-gestores do ministério, que veem na proposta um novo aceno a medicamentos sem eficácia comprovada, caso da cloroquina.

Para o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, a medida também traz risco de aumentar o contágio. Segundo ele, a orientação da gestão anterior era que o acompanhamento fosse feito pelo Telesus, por meio do telefone 136.

“Se fosse necessário mudar a orientação, eu não tinha problema em fazer. Mas as evidências até hoje não mudaram. A história natural dessa doença é que 85% registram formas leves, 15% vão precisar de internação hospitalar e 5% vão para a CTI”, afirma.

“O que mudou foi que eles [ministério] passaram a acreditar que as pessoas têm que ir [mais cedo], porque acham que existe o uso precoce da cloroquina. Politizaram isso.”

Questionado, Pazuello nega que a mudança tenha relação com a cloroquina. A droga, no entanto, teve a oferta ampliada na sua gestão também para casos leves, na contramão de estudos científicos. Até agora, a pasta distribuiu 5 milhões de comprimidos.

“O ministério disponibiliza na rede, ele não coloca na boca de ninguém”, afirma o ministro, que atribui a oferta à solicitação de gestores. Segundo ele, a ideia é aumentar o monitoramento de pacientes.

A pasta, porém, aumentou estoques do medicamento sob orientação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para Carlos Lula, presidente do Conass, conselho de secretários estaduais de Saúde, a proposta pode ajudar no acompanhamento de sintomas. Ele refuta, porém, a possibilidade de uso da cloroquina.

Mesma posição tem Gulnar Azevedo, professora de epidemiologia da UERJ e presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), para quem deve haver preparo da rede para evitar transmissão.

“Como não existe tratamento precoce, isso seria para ver se o caso está agravando e monitorar sintomas”, diz.

A mudança nas orientações não é o único ponto de divergência no Ministério da Saúde.

Nos cinco meses entre a confirmação da primeira morte por coronavírus no país, em 16 de março, e a marca de 100 mil mortes, a pasta enfrentou crises com o Planalto, perdeu dois ministros, ficou sem titular, recebeu uma onda de militares, tentou intervir em dados e foi associada a um genocídio por um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Recentemente, secretários de Saúde apontaram avanços no diálogo com a equipe provisória, mas reclamam de atrasos e “solidão” no combate ao maior desafio sanitário do século.

“Durante esses meses tivemos uma terrível crise com o ministério, talvez uma das maiores da história”, afirma Carlos Lula. “Não só pelo ministério, que se omitiu, mas sobretudo pela postura do presidente, que negou o isolamento.”

A situação acabou por paralisar parte das ações inicialmente previstas e levou estados e municípios a terem de tomar decisões e tentar estruturar a rede por conta própria, afirma.

O impasse fica visível no atraso na entrega de itens prometidos para assistência. Em abril, por exemplo, a pasta prometeu fornecer 46 milhões de testes. Até agora, porém, só 13 milhões foram distribuídos.
Também prometeu 16 mil respiradores, mas só chegou até agora a 9.189.

Membros do ministério têm orientado deixar claro que, embora tenha dado apoio, a pasta não é obrigada a custear equipamentos.

Para Adriano Massuda, professor da FGV, a medida mostra uma tentativa da pasta de se eximir da responsabilidade na crise e a falta de um plano nacional contra a Covid-19.

Parte dos problemas ainda está ligada às constantes trocas de gestão. A primeira ocorreu com a saída, em abril, de Mandetta, após embates com Bolsonaro. A segunda, em maio, com Nelson Teich, que ficou menos de um mês no cargo e deixou a pasta por divergências sobre a cloroquina.

Desde então, o ministério é comandado de forma interina por Pazuello, que trouxe consigo outros 25 militares e secretários aliados a Bolsonaro. Inicialmente, o general dizia que ficaria no cargo com o grupo por apenas três meses. O governo, porém, não tem dado sinais de que pretende trocá-lo.

Questionado sobre o alto número de mortes, o ministro disse lamentar o quadro. “Uma morte é um brasileiro, um pai, irmão, filho, mãe”, afirmou. “Precisamos entender que não são números, são pessoas, 100 mil brasileiros que perderam suas vidas.” Segundo o ministro, as ações do SUS “foram dentro do que se podia numa doença nova”.

Ainda segundo Pazuello, o SUS se mostrou a “melhor ferramenta” para combater a Covid. “Sem isso, teríamos números muito maiores.”

Sobre a crítica dos especialistas, o ministro diz haver falta de conhecimento do problema.

“Eles não têm culpa de não conhecer e saber o que está acontecendo”, afirma ele, que rebate críticas sobre uma falta de coordenação. O ministro atribui atrasos na oferta de testes a problemas na oferta de insumos, mas afirma que o quadro já está regularizado.

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