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Quase metade das gravidezes no mundo é indesejada, aponta ONU

Relatório do Fundo de População da ONU revela que principais causas são pobreza e falta de acesso das mulheres à educação e a contraceptivos

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Clare Roth
DW

Quase metade de todas as gestações no mundo (48%) são involuntárias, segundo um estudo publicado nesta quarta-feira (30) pelo Fundo de População da ONU (UNFPA), em Nova York. A cada ano, cerca de 6% de todas as mulheres do mundo passam por uma gravidez indesejada. E dos 121 milhões de gravidezes indesejadas a cada ano, mais de 60% são interrompidas —metade delas em condições inseguras, de acordo com o UNFPA.

As principais causas de gravidezes indesejadas são discriminação contra as mulheres, pobreza, violência sexual e falta de acesso a contraceptivos e aborto.

No Brasil, a cada mil adolescentes, 53 engravidam precocemente, de acordo com o Relatório sobre a Situação da População Mundial, divulgado pelo Fundo de População da ONU no ano passado.

Este índice apresentou ligeira melhora em relação ao relatório de 2019, quando a taxa era de 62 a cada mil. Ainda assim, a média brasileira está acima do índice mundial, de 41 a cada mil.

Gestações involuntárias são comuns em crises que causam migração em massa, como a guerra na Ucrânia - Sergei Supinsky/AFP

Segundo a representação da ONU no Brasil, a gravidez não intencional na adolescência muitas vezes se relaciona com trajetórias educacionais truncadas ou mesmo com o abandono escolar.

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6 a cada 10 adolescentes grávidas não trabalham nem estudam. Desta forma, este fenômeno pode ter impacto nas trajetórias educacionais e profissionais, contribuindo para a perpetuação de ciclos de pobreza e desigualdade.

Muitas gestações terminam em abortos inseguros

"Esta é uma crise que está à nossa volta", disse a diretora executiva do UNFPA, Natalia Kanem, em entrevista à DW. "Mas ela é invisível. É irreconhecível e isso faz parte de um fracasso global em dar prioridade às mulheres e meninas e em defender os direitos humanos básicos das mulheres e adolescentes."

Para mulheres em países ricos, onde o aborto é legalizado, os procedimentos são, em grande parte, seguros. Mas 45%, segundo o UNFPA, são abortos inseguros, responsáveis por até 13% das mortes maternas em todo o mundo.

Nos países desenvolvidos, o número de gravidezes não intencionais diminuiu drasticamente desde os anos 1990. Isso se deve, em parte, diz o relatório, a um aumento na disponibilidade de contraceptivos e educação sexual.

Mas este não é o caso da África Subsaariana, onde o número de gravidezes não intencionais caiu apenas 12%. E, considerando o crescimento da população mundial, o relatório informa que o número absoluto de mulheres que experimentam uma gravidez não intencional no planeta inteiro aumentou, de fato, 13%.

Muitas vezes, as mulheres que engravidam sem querer se sentem perdidas e não sabem o que fazer. Segundo o relatório da ONU, embora algumas gravidezes sejam interrompidas e outras concluídas, muitas são encaradas com ambivalência.

"Estas gestações podem não ser totalmente involuntárias, mas também não são totalmente deliberadas, ocorrendo quando um indivíduo não tem a possibilidade de articular plenamente o que deseja em sua vida —ou mesmo imaginar uma vida em que a gravidez seja uma escolha", escrevem os autores do relatório.

Mulher tem direito básico à autonomia corporal

Existem métodos de contracepção, mas o relatório diz que muitas mulheres são impedidas de exercer um direito básico à autonomia corporal —por exemplo, o direito de usar contraceptivos. Por isso, segundo os autores do relatório, não há uma solução para "resolver" o problema.

Algumas mulheres com acesso a métodos de contracepção se abstêm de usá-los. Há muitas razões para isso, que vão desde a estigmatização em certas comunidades ou conceitos errados —como mulheres que acham não precisar de contracepção na perimenopausa.

Muitas outras mulheres estão numa relação com homens que querem ter filhos e negam a suas parceiras o direito de evitar a gravidez. Isso pode forçá-las a usar o controle de natalidade em segredo ou a ter filhos para os quais elas se sentem despreparadas.

O relatório observa que a responsabilidade de evitar a gravidez recai, na maioria dos casos, sobre as mulheres. Mas isso não significa que elas tenham sempre uma escolha. O relatório cita dados coletados na África Subsaariana, entre meados dos anos 1990 e dos anos 2000, que mostraram que a maioria dos homens desejava mais filhos do que as mulheres.

Kanem disse à DW que isso indica uma "incompatibilidade entre o que as mulheres querem e precisam e o que os homens acreditam ser o ideal".

"É a mãe de família que normalmente é altruísta. Ela planeja as refeições. Ela decide quem vai com quais sapatos à escola. E ela é realista quando se trata de [perguntas como]: Quanto eu posso suportar? Quanto vai custar o investimento em cada um dos meus filhos?", disse Kanem.

Mesmo quando a contracepção é usada corretamente, ela pode falhar. Para cada 100 mulheres que usam preservativos como método principal de contracepção, 13 engravidarão. E mesmo para as mulheres que usam formas de contracepção altamente eficazes, como um Dispositivo Intrauterino (DIU), gravidezes não intencionais ainda podem acontecer.

O relatório se refere ao Serviço Britânico de Consultoria em Gravidez, que realiza abortos no Reino Unido. Em 2016, o serviço informou que mais da metade das cerca de 60 mil mulheres que fizeram aborto em um de seus centros naquele ano estavam usando métodos de contracepção.

Conflitos agravam o problema

"Se você estivesse no meio de um conflito e tivesse 15 minutos ou meia hora para decidir o que vai levar, agarraria seus filhos e correria porta afora. Contracepção, forros menstruais são coisas que não estariam no topo da lista. Quero dizer, se você tem um passaporte, você vai pegá-lo, vai se certificar de que pode colocar o que puder em uma pequena mochila e ir embora", disse Kanem.

Segundo ela, isso torna as mulheres que fogem de situações de conflito especialmente vulneráveis a gravidezes não intencionais. Muitas mulheres dependem de suprimentos mensais de controle de natalidade. Quando são deslocadas, elas não têm mais acesso a eles.

Os sistemas de saúde danificados também podem resultar em gravidezes indesejadas, acrescenta Kanem. No Afeganistão, por exemplo, espera-se que problemas no sistema de saúde resultem em cerca de 1 milhão de gestações extras não intencionais até 2025.

Pobreza e educação

A gravidez não planejada pode afetar qualquer mulher, independentemente de sua formação financeira ou educacional. Mas é mais provável que ela aconteça em países onde as mulheres têm níveis mais baixos de educação e autonomia, diz o relatório.

A África tem as taxas mais altas de gravidezes não planejadas, vistas de país para país. O continente tem o maior número de mulheres com menos de 18 anos de idade dando à luz fora do casamento.

"Enquanto as taxas em todo o mundo caíram nos anos 1990, a queda foi a mais lenta na África Subsaariana", disse Kanem. "As regiões da África apresentaram algumas das pontuações mais baixas no índice de autonomia corporal."

​Kanem disse que isto se deve em grande parte à falta de educação. E a educação está ligada ao acesso à contracepção. Se as mulheres não sabem o que querem e do que precisam, não podem solicitá-lo. E quando a educação sexual é transmitida de boca em boca, ela pode facilmente se enredar em concepções errôneas.

"Parte dessa liberdade de escolha é poder optar pelo método certo para cada uma e vimos mitos impressionantes sobre a contracepção muito frequentes entre as mulheres jovens na África", disse Kanem, que enfatiza que a contracepção não põe em risco a fertilidade futura, mas, ao contrário, salvaguarda a saúde da mulher.

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