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Enfermeiro distorce dados para dizer que ivermectina evita mortes pela Covid-19

Nenhuma pesquisa comprovou o sucesso da droga contra o novo coronavírus

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São Paulo

São falsas as afirmações de um enfermeiro em um vídeo no Facebook sobre o uso da ivermectina no combate à Covid-19. Ele diz que a droga salva vidas, que há estudos que provam sua eficácia e que a Etiópia e a Austrália têm poucos casos do novo coronavírus porque fazem o uso profilático do remédio.

Não há nenhuma pesquisa que tenha comprovado o sucesso da ivermectina para salvar vidas de pacientes com a Covid-19 –o estudo que o enfermeiro cita no vídeo, verificado pelo Comprova, ainda nem chegou à fase de teste em humanos, conforme a Universidade Monash, responsável pelo ensaio, informou. Tampouco Etiópia e Austrália distribuíram ivermectina para a população, como mencionado na gravação. Os governos dos dois países não indicam a droga no combate à doença e decretaram diversas medidas contra o vírus, como isolamento social e restrição de viagens.

Em contato com o Comprova, o enfermeiro Anthony Ferrari Penza, autor do vídeo, disse que “as evidências sobre a ivermectina estão nos estudos in vitro que deram resultados e também na pesquisa observacional em pacientes que pelo uso do medicamento contraíram a Covid-19 e foram assintomáticos ou tiveram sintomas leves”. A equipe pediu que ele enviasse as pesquisas que concluem que a ivermectina é eficaz contra a Covid-19, mas ele enviou apenas um documento, que não prova a eficácia da droga. O vídeo foi retirado da plataforma.

Anthony Ferrari Penza, em vídeo em que distorce informações para afirmar que a ivermectina é eficaz contra a Covid-19 - No Facebook

Etiópia e Austrália

No vídeo, Penza afirma que o governo etíope distribui ivermectina aos cidadãos desde 1997 e que “o resultado disso é que, em maio, havia seis mortes de Covid-19 e, hoje, são menos de 80 casos de mortos”, o que não é verdade. Primeiramente, segundo o Ministério da Saúde do país africano, o total de mortes até o dia 19 de agosto chegava a 600.

Além de não haver um número tão baixo de óbitos, é falso que o país tenha controlado a pandemia com a ivermectina. Segundo verificação do Comprova publicada em 10 de julho, as autoridades sanitárias da Etiópia não indicam a ivermectina para a prevenção ou tratamento da Covid-19 e tomaram diversas medidas não farmacológicas para controlar o contágio, como fechamento de escolas e restaurantes, proibição de aglomerações e decreto de quarentena obrigatória para todos que chegassem ao país. O governo também decretou estado de emergência.

O enfermeiro também afirma, falsamente, que “todos na Austrália tomaram ivermectina” e que, com isso, o país “reduziu a praticamente zero”. Ele pode estar falando de mortes ou do contágio –qualquer uma das informações está errada. Conforme o Comprova também já investigou, o único tratamento contra a doença aprovado no país foi o antiviral remdesivir, que só é prescrito para pacientes graves. Antes disso, a Austrália adotou medidas como distanciamento social, higienização das mãos, restrição de viagens e lockdown. De acordo com o governo australiano, o país registrou 23.993 infectados e 450 mortes até 19 de agosto.

O enfermeiro

Nascido no Rio de Janeiro, Anthony Ferarri Penza se formou em enfermagem em 2014, na Universidade Veiga de Almeida, e vive em Cabo Frio. Antes da graduação, Anthony foi dono de um jornal, o “Diário Cabofriense”, que declarou ter vendido “em 2012 ou 2013” em entrevista realizada em junho, quando apareceu em uma verificação do Comprova classificada como falsa. Ele acusava governos municipais e estaduais, dizendo que “corpos de vítimas da Covid-19 são vendidos por milhões”.

O Coren-RJ (Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro) instaurou, no início de julho, um processo contra Penza, após ter recebido “várias denúncias por e-mail”. Caso ele seja declarado culpado, as penalidades aplicadas pelo órgão podem ser advertência verbal, censura, multa e suspensão do exercício profissional.

Verificação

Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos relacionados à pandemia que viralizaram nas redes sociais. Como ainda não há vacina ou cura, muitas das verificações têm sido sobre medicamentos que supostamente combatem a Covid-19. O tema é de extrema importância porque a automedicação, sem orientação médica, pode colocar a saúde das pessoas em risco.

Nesse contexto, a ivermectina tem sido muito citada em conteúdos que sugerem seu uso preventivo, ainda que, como explicado anteriormente, não exista nenhuma comprovação científica da sua eficácia. Até 18 de agosto, o vídeo de Penza havia sido visualizado 3,1 milhões de vezes –um dia depois, a gravação foi tirada do ar. Contatamos o Facebook para saber o motivo, mas, até a publicação deste texto, não obtivemos resposta. O enfermeiro afirmou não ter sido o responsável pela retirada do conteúdo do ar, mas disse, em mensagem de áudio enviada ao Comprova, que é perseguido por veículos de imprensa e que “fica um monte de esquerdopatas denunciando o vídeo e a gente que luta pela vida não tem espaço na mídia”.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para modificar o seu significado original e divulgado de maneira deliberada para espalhar uma mentira.

O Comprova fez esta verificação baseado em dados oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis no dia 19 de agosto de 2020.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha e BandNews e publicada na quarta-feira (19) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por UOL, Jornal do Commercio, Nexo, SBT, Estadão e Piauí.

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