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Declaração de Bolsonaro sobre vacina contra Covid-19 preocupa pelo potencial antivacinação

Presidente, que já ironizou imunização desenvolvida na China, falou em não obrigação de vacinar

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São Paulo

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, nesta segunda (1), dia em que o Brasil ultrapassou os 122 mil mortos pela Covid-19, traz preocupação quanto a movimentos antivacina e desincentivo à imunização uma vez que esta esteja disponível.

Na falta de uma cura para doença, a vacina contra o Sars-CoV-2, tão logo seja aprovada em testes, é a única solução para um retorno à vida normal. Embora o presidente não tenha se declarado contra a vacinação em si —apenas contra a obrigatoriedade —, declarações como essa vindas de líderes políticos são combustível para eventuais temores e mesmo negligência de parte da população.

O episódio, ao minimizar a importância da vacinação contra uma vírus cuja gravidade do efeito no corpo é imprevisível, parece repetir o comportamento de desdém de Bolsonaro com as máscaras de proteção facial, depois tornadas obrigatórias e mesmo assim evitadas por ele.

Também cria uma cacofonia de diretrizes dos governos, outro efeito daninho à orientação da população —durante toda a atual pandemia, especialistas alertaram para a importância de haver uniformidade e clareza das orientações transmitidas.

Em fevereiro, quando brasileiros que estavam no ponto inicial da pandemia, na China, tentavam voltar ao Brasil, Bolsonaro sancionou a lei 13.979, sobre o enfrentamento do novo coronavírus no país. No artigo 3º, consta que poderá ser adotada “determinação de realização compulsória” exames, testes, coletas, vacinação e tratamentos específicos.

Segundo Daniel Dourado, médico sanitarista e advogado membro do Cepedisa (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário), a lei não torna obrigatória uma eventual vacinação contra a Covid-19 e seria necessário um outro ato normativo para regular o tema quanto a essa obrigatoriedade. “No meu entendimento, o governo tem obrigação de disponibilizar, mas não tem obrigação de tornar compulsória”, diz.

Henderson Fürst, presidente da comissão especial de bioética e biodireito da OAB Nacional, afirma que o verbo “poder” no artigo 3º ganha a conotação de poder/dever. “Se não ler como ‘deverão’, o estado estará negligenciando o artigo 196 da Constituição Federal e aí entrará em um estado de inconstitucionalidade por omissão”, afirma, acrescentando que vacinar-se é também uma ação solidária, que protege a saúde do próximo.

O artigo em questão aponta que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

No caso de crianças, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) determina que a vacinação é obrigatória. Deixar de vacinar pode levar à aplicação de multa e até à suspensão de guarda.

Não se trata da primeira declaração de Bolsonaro a reduzir a importância da vacina. Em live no dia 30 de julho, o presidente ironizou a vacina da China em desenvolvimento contra a Covid-19, a qual já tem acordo firmado para ser produzida no Instituto Butantan, em São Paulo.

Declarações do tipo, vindas do presidente, arriscam abastecer teorias da conspiração, desincentivar a vacinação e fortalecer o crescente movimento que rejeita a imunização, usando como fonte informações cientificamente incorretas para dizer que as vacinas não são seguras, responsável pelo retorno no mundo de doenças praticamente erradicadas.

Nas respostas à publicação da secretaria de comunicação de Bolsonaro, essas teorias já começam a pipocar. Em um dos comentários, por exemplo, diz-se que a vacina é feita com fetos abortados (uma falácia; a vacina é feita a partir do material genético próprio vírus).

Fürst classifica mensagens assim como "biopopulismo", ou o uso incorreto da ciência como narrativa para agregar pessoas com determinado viés ideológico à base política. A insistência em apresentar a cloroquina como tratamento eficaz contra a Covid-19, mesmo que estudos padrão-ouro mostrem o oposto, encaixa-se aí.

Há 116 anos, o caldo formado por teorias sem comprovação e insatisfação política resultou na Revolta da Vacina, quando o Rio de Janeiro entrou em convulsão social em um contexto de reformas higienistas na cidade após ser tornada obrigatória a vacinação contra a varíola, a peste da vez, que seria erradicada mais de sete décadas depois. ​

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