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Reforços constantes de vacina vão vencer o coronavírus?

Não é realista aplicar doses extras em toda a população no intervalo de poucos meses, dizem cientistas

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The New York Times

Um ano atrás, apenas duas doses de uma vacina para Covid-19 —ou mesmo uma, no caso da fórmula da Janssen— eram consideradas proteção suficiente contra o coronavírus.

Hoje, diante da variante ômicron, extraordinariamente contagiosa, Israel começou a oferecer quartas doses para alguns grupos de alto risco. Na quarta-feira (5), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC na sigla em inglês) ampliou a elegibilidade dos reforços a adolescentes e deixou de descrever as pessoas como "totalmente vacinadas", porque duas doses não parecem mais adequadas.

Em vez disso, a situação vacinal de uma pessoa passará a ser classificada como "em dia" —ou não. Não causa surpresa que muitos estejam se perguntando: quando isso vai acabar? Vamos ter de arregaçar as mangas para tomar doses de reforço a intervalos de meses?

Profissional da saúde aplica vacina contra Covid em pessoa no aeroporto de Los Angeles, nos EUA - Bing Guan - 22.dez.2021/Reuters

Subjugados repetidamente por um vírus que desafia as expectativas, os cientistas hesitam em prever o futuro. Mas em entrevistas nesta semana quase uma dúzia deles disseram que, aconteça o que acontecer, tentar reforçar toda a população a espaços de alguns meses não é realista. Tampouco faz muito sentido, cientificamente.

"Não é incomum dar vacinas periodicamente, mas eu acho que há maneiras melhores do que aplicar reforços a cada seis meses", disse a imunologista Akiko Iwasaki, da Universidade de Yale. Outras estratégias, disse ela, podem "nos tirar dessa situação de reforçar eternamente".

Para começar, convencer as pessoas a fazer fila para tomar injeções com intervalo de meses é provavelmente uma proposta perdedora. Cerca de 73% dos americanos adultos estão totalmente vacinados, mas até agora só pouco mais de um terço optou por um reforço.

"Essa não parece uma estratégia sustentável em longo prazo, certamente", disse o imunologista Deepta Bhattacharya, da Universidade do Arizona.

Igualmente importante, não há dados que comprovem a eficácia de uma quarta dose das vacinas atuais. (O cálculo é diferente para pessoas imunossuprimidas, que podem se beneficiar de uma quarta dose.)

A Pfizer-BioNTech, a Moderna e a Johnson & Johnson disseram que estão testando vacinas que visam a variante ômicron e que poderão estar disponíveis em alguns meses.

"Não faz sentido continuar dando reforços contra uma cepa que já desapareceu", disse Ali Ellebedy, imunologista na Universidade Washington em St. Louis. "Se você for dar mais uma dose depois da terceira, eu definitivamente esperaria por uma baseada na ômicron."

Se o objetivo é reforçar a imunidade contra a ômicron ou variantes futuras, outras táticas seriam melhores que reforços contínuos de uma vacina destinada a reconhecer o vírus original, dizem especialistas.

Algumas equipes de pesquisa estão desenvolvendo uma vacina chamada pan-coronavírus, destinada a atacar partes do vírus que mudariam muito lentamente ou nada.

As vacinas atuais poderiam ser combinadas com reforços de vacinas nasais ou orais, que são melhores para evitar a infecção porque revestem com anticorpos o nariz e outras superfícies mucosas —os pontos de entrada do vírus.

E simplesmente permitir mais tempo entre doses de vacina também poderia reforçar a imunidade, lição que os cientistas aprenderam em lutas contra outros patógenos.

Muitos especialistas se opuseram inicialmente à ideia de uma dose de reforço. Alguns acreditavam que os regimes originais de vacinação seriam suficientes para manter a maioria das pessoas fora dos hospitais, e que essa seria a verdadeira medida do sucesso de uma vacina.

Outros achavam que era injusto os países ricos acumularem vacinas para doses de reforço, quando milhões de pessoas no mundo todo ainda não tinham recebido a primeira dose.

Mas a perspectiva mudou quando os cientistas viram a marcha rápida e incansável da ômicron pelo mundo. "A ômicron realmente mudou meu pensamento sobre isso", disse o imunologista Scott Hensley, da Universidade da Pensilvânia.

"As pessoas que estão vacinadas realmente estão se saindo bem em termos de hospitalização", disse Michel Nussenzweig, imunologista da Universidade Rockefeller em Nova York. A ômicron deixou claro que evitar todas as infecções é causa perdida, acrescentou ele.

Se as vacinas evitassem a infecção e a disseminação do vírus, reforços regulares fariam sentido. "Mas, com a ômicron, de que adianta?", disse o cientista. "O final do jogo é manter as pessoas fora do hospital."

Pessoas fazem fila para receber dose de imunizante contra a Covid-19 em unidade do McDonald's, em Chicago, nos EUA - Jim Vondruska - 21.dez.2021/Reuters

No último outono, o doutor Anthony Fauci, principal assessor sobre pandemias do governo americano, falou repetidamente sobre a importância de evitar infecções sintomáticas. Mas nos últimos dias ele também tem dito que são as internações que realmente importam.

Para evitar infecções, o momento da aplicação do reforço deve ser combinado precisamente com a circulação de uma variante na população. Muitas pessoas que receberam uma terceira dose no início do outono, por exemplo, ficaram vulneráveis à ômicron porque o reforço imunológico já tinha diminuído.

De modo geral, as pessoas são orientadas a se vacinar contra a influenza pouco antes de o vírus começar a circular no inverno. Se o coronavírus estabelecer um padrão semelhante ao da gripe, como parece possível, "você pode imaginar um cenário em que simplesmente damos reforços antes do inverno a cada ano", disse Hensley.

Alguns especialistas levantaram preocupações de que receber reforços com demasiada frequência —como algumas pessoas estão fazendo por conta própria— pode até ser prejudicial. Na teoria, há duas maneiras como isso pode dar errado.

A maioria dos imunologistas hoje rejeita como improvável a primeira possibilidade, em que o sistema imune é exaurido pela estimulação repetida —condição chamada de "anergia"— e deixa de responder às vacinas contra o coronavírus. "Não estamos vendo realmente essas estranhas células de memória que indicam anergia ou disfunção", disse Bhattacharya.

A segunda preocupação, chamada "pecado original antigênico", parece mais plausível. Nessa visão, a resposta do sistema imune é moldada à primeira versão do vírus, e suas respostas às variantes subsequentes são muito menos poderosas.

Com mais de 50 mutações, a ômicron é bastante diferente das variantes anteriores, e os anticorpos feitos para a versão original do vírus têm dificuldade para reconhecer a última versão.

"Temos pistas suficientes de que isso pode ser um problema", disse a doutora Amy Sherman, especialista em vacinas na Universidade Harvard. "Certamente vimos evolução em um curto período de tempo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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