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Dono do Napoli quer futebol sem rebaixamento e multa para último colocado

Produtor de cinema, Aurelio de Laurentiis levou clube a disputar Champions

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Rory Smith
Nova York | The New York Times

Com Aurelio de Laurentiis, o truque é sentar e esperar. Ele tende a seguir o caminho panorâmico, em uma conversa; suas respostas vêm envoltas em casos e parábolas, entrelaçadas de charadas e de perguntas retóricas.

Aurelio de Laurentiis no gramado do Parque dos Príncipes antes da partida entre o Napoli e o Paris Saint-Germain, pela Champions League - Gonzalo Fuentes-23.out.18/Reuters

Há momentos em que o interlocutor desconfia de que ele talvez tenha saído demais do assunto, e se deixado distrair pelas tangentes que segue a ponto de perder o fio da meada. Ouvindo a gravação, é difícil perceber exatamente como uma pergunta sobre a distribuição de renda na Champions League desembocou em uma homilia curta mas forte sobre os perigos da 'Ndragheta, a máfia calabresa, mas foi isso que aconteceu.

Não que o processo seja sofrido. De Laurentiis talvez seja famoso agora como proprietário do SSC Napoli, o clube de futebol italiano que ele resgatou do esquecimento e reconduziu com muito sofrimento ao topo do futebol europeu, mas em seu âmago ele continua a ser um produtor de cinema, um homem do espetáculo. Ele sabe como tecer uma história, como apresentar uma proposta convincente. E quando chega ao destino, como sempre faz, a espera terá valido a pena.

De Laurentiis, afinal, tem sempre uma profusão de ideias sobre como revolucionar o futebol, e há sempre uma vaca sagrada a abater e uma tradição a reformar. No passado recente, por exemplo, ele sugeriu reduzir a duração das partidas de 90 para 60 minutos, e advogou a abolição da Uefa, a organização que comanda o futebol europeu, e a transferência do poder diretamente aos grandes clubes.

Tampouco lhe faltam adversários, vilões que bloqueiam o caminho do progresso, que impedem o crescimento do esporte por falta de imaginação. A lista dele já incluiu, além da Uefa, a Fifa, Adidas, Nike, contratos coletivos de televisão e a elite política italiana —entre outros. Muitos outros.

Ele faz tudo isso em muito entusiasmo, e com frequência digna do herdeiro de uma das grandes dinastias do cinema italiano. Aos seus olhos, o futebol (e provavelmente a vida) é entretenimento. Criar confusão é um instinto natural. Tudo é parte do show.

Sentado em um hotel de Liverpool, na Inglaterra, em dezembro, na véspera daquela que seria a última partida do Napoli na atual edição da Champions League, ele não precisou de grande ajuda, portanto, para colocar na pauta o seu atual vilão favorito.

De Laurentiis disse que gostaria de mudar a maneira pela qual as grandes ligas do futebol distribuem prêmios. Ele acredita que o mau desempenho não deveria ser recompensado. Em sua opinião, deveria ser punido. "

Se você termina em primeiro, ganha 100 milhões de euros, por exemplo", ele diz. "Se termina em segundo, ganha 50 milhões de euros, e assim por diante. E se termina em último, paga uma multa".

Esse vem sendo um tema constante para de Laurentiis na atual temporada. Ele escolheu como alvo o Frosinone, clube promovido para a Série A italiana pela segunda vez em sua história no ano passado, e usa o clube como exemplo de equipe que chega à primeira divisão "já rebaixada".

Clubes como o Frosinone não atraem torcedores ou redes de TV para a liga, diz de Laurentiis. Eles sobem, não tentam competir e voltam a cair, mas com seus cofres repletos do que ele entende como parcela injustificada das receitas televisivas da primeira divisão.

"O problema é que os clubes pequenos têm os mesmos direitos que os grandes", ele disse, acrescentando, em referência a um tipo de pão: "Por que o Frosinone deve ter uma temporada na Série A, abocanhar um pedaço do 'pagnotta' e depois cair para a terceira divisão? Se não são capazes de competir, se terminam em último, deveriam ter de pagar uma multa. Não deveriam ser recompensados pelo fracasso".

Depois de um novo desvio no qual descarta um clube que anda mal em uma das grandes ligas como um reles "saco de pancadas", sua retórica vai ganhando força.

"Acesso e descenso são a maior idiotice do futebol", disse de Laurentiis. "Especialmente quando você também tem a Uefa tentando forçar os clubes a cumprir regras de fair play financeiro. Os clubes deveriam ser estruturados geograficamente, para que possam se tornar autossuficientes. Se não conseguem sobreviver financeiramente, devem ser expulsos da liga".

Ouvindo as palavras de de Laurentiis, e as muitas e variadas maneiras pelas quais ele acredita que o futebol esteja no caminho errado, seria fácil presumir que ele despreza o esporte, que se cansou dele nos 15 anos desde que comprou o que restava do Napoli - "só o nome", ele havia dito anteriormente - com o propósito de revigorá-lo.

Mas suas ações dizem o oposto. De Laurentiis não está se distanciando do futebol, e sim deitando raízes mais profundas nele. Há diversos anos ele queria acrescentar um segundo clube às suas propriedades; idealmente, gostaria de controlar um dos clubes de Londres. "Mas não surgiu a ocasião", ele disse.

Ele voltou suas atenções aos Estados Unidos, estudando uma oferta para comprar um novo time na Major League Soccer. Dedicou meses a avaliar propostas de Baltimore, Detroit e Las Vegas, disse, mas desistiu da ideia pelo custo de um time — mais de US$ 150 milhões, além do custo de um novo estádio, na mais recente rodada de expansão da liga.

Então, em agosto, de Laurentiis recebeu um telefonema do prefeito de Bari, uma cidade portuária na Puglia, uma região próxima do salto da bota italiana. O clube local, que até 2011 jogava na Série A, havia declarado falência e foi parar na quarta divisão do futebol italiano. O prefeito ofereceu a de Laurentiis a oportunidade de adquiri-lo.

"Fiquei surpreso", ele disse. "Não conheço ninguém em Bari. Fui pouquíssimas vezes à cidade".

O mais surpreendente, porém, é que de Laurentiis terminou dizendo sim. O Napoli e o Bari são, tecnicamente, rivais, mas subitamente estavam sob o controle da mesma família. Aurelio continuou com o controle do Napoli, e seu filho, Luigi, passou a responder pelo novo clube no patrimônio da família.

Seria desnecessário dizer que a manobra está longe de contar com a aprovação de todos. Ainda que os torcedores de Bari tenham recebido bem a decisão. "Eles sabem que somos gente séria", disse Aurelio de Laurentiis -, em Nápoles houve discordância. "Saiam fora de nossa cidade", lia-se em uma faixa pendurada em uma cerca da cidade, na noite em que a compra do Bari foi anunciada.

De Laurentiis insiste em que controlar outro time não desviará sua atenção de seu primeiro amor.

"O Napoli é o Napoli, o Bari é o Bari", ele disse. Seu filho, enquanto isso, insiste em que os conhecimentos que ele e o pai adquiriram na costa tirrena da Itália agora poderão ser aplicados à costa adriática.

"Começamos do zero", disse Luigi sobre o Bari. "Tivemos de criar a marca, começando por um novo escudo, e depois fazer todas as coisas necessárias para o clube: uma campanha de ingressos para a temporada, um site, marketing, mídia social, camisas, encontrar patrocinadores".

O motivo, disse Luigi de Laurentiis, é óbvio: "O Bari tem apelo nacional. Somos o único time de nossa divisão com partidas transmitidas nacionalmente", ele disse, como resultado de uma parceria com o serviço de streaming DAZN. A Puglia vem passando por um boom turístico, nos últimos anos, e a oportunidade era boa demais para rejeitar, ele afirma.

Seria desnecessário dizer que o plano envolve reconduzir o Bari à primeira divisão, mesmo que isso crie conflito com os dirigentes do esporte quanto a dois clubes no mesmo campeonato terem os mesmos proprietários.

"O Bari é uma marca reconhecível", disse Luigi. "Não é o Frosinone. Já jogou na Série A. Tem uma longa lista de nomes famosos entre seus ex-jogadores".

Ou seja, não é o tipo de time que Aurelio de Laurentiis denunciaria como um simples saco de pancadas, um clube que está lá só para encher a tabela e recolher o dinheiro da televisão. De Laurentiis talvez procure controvérsias compulsivamente. Ele talvez goste de provocar e azucrinar os rivais, e os dirigentes do futebol. E talvez faça tudo isso em nome do entretenimento. Mas cumpre o que promete. O Bari representa um exemplo de colocar seu dinheiro à serviço daquilo em que acredita. De Laurentiis acha que o futebol precisa mudar. E ele está tentando mudá-lo.

Tradução de Paulo Migliacci

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