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Descrição de chapéu The New York Times

Chinês vence, irrita rivais e vira vilão no Mundial de natação

Sun Yang, 27, foi pego no exame antidoping no passado e acumula 11 medalhas em Mundiais

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Karen Crouse
Gwangju (Coreia do Sul) | The New York Times

O doping pende como uma nuvem sobre a natação e sobre um dos melhores nadadores do planeta há muito tempo, e o Mundial de natação enfim viu chegar o temporal, esta semana, o que submergiu o torneio em protestos silenciosos mas rancorosos dirigidos ao chinês Sun Yang, ganhador de seis medalhas olímpicas.

Sun conquistou seu 11º título mundial na terça-feira, depois que o aparente vencedor, o lituano Danas Rapsys, foi desclassificado por queimar a largada, na prova dos 200 metros em estilo livre. Todo esporte precisa de um vilão e, na natação, o carrancudo Sun parece satisfeito em desempenhar esse papel. Depois de cada vitória, o mundo da natação dirige sua raiva a ele, como símbolo de tudo que há de errado com o esporte.

Sun, 27, que sete anos atrás, em Londres, se tornou o primeiro chinês a conquistar um título olímpico de natação, causou boa parte dessa raiva contra ele a partir de 2014, quando foi suspenso por três meses depois de ser apanhado em um exame antidoping pelo uso de trimetazidine.

O chinês Sun Yang posa para foto com sua medalha de ouro nos 200 m livre conquistada em Gwangju, na Coreia do Sul - Ed Jones-23jul.2019/ AFP

Ele poderia ter obtido uma dispensa para uso terapêutico legal do estimulante a fim de tratar um problema cardíaco. Desde então, sua carreira repleta de recordes vem causando ressentimentos, e estes ficaram claramente expostos na terça-feira, em um torneio que só perde em prestígio para as olimpíadas.

No domingo, o australiano Mack Horton se recusou a subir ao pódio ao lado de Sun para a cerimônia de medalhas da prova de 400 metros estilo livre vencida pelo chinês. Horton, 23, ganhou o ouro da modalidade na última olimpíada e chegou em segundo no mundial de Gwangju.

Ele ficou atrás do pódio em silêncio, em gesto que lhe valeu reprimenda pública da Federação Internacional de Natação (Fina). Os torcedores de Sun invadiram as contas de mídia social de Horton com comentários ácidos, e até com ameaças de morte.

Isso não impediu o britânico Duncan Scott de repetir o gesto na terça-feira, durante a cerimônia de medalhas dos 200 metros estilo livre. Scott, que foi um dos dois terceiros colocados, se recusou a apertar a mão de Sun ou a posar para fotos com o vencedor depois da cerimônia de medalhas.
Sun, um gigante de 1,98 metro, apontou para o peito de Scott quando eles deixaram a área da piscina e parece ter gritado "seu perdedor, eu estou ganhando, sim!". Sun continuou a provocar Scott, em seguida, mas este sorriu e seguiu caminhando.

Sun não concedeu entrevista coletiva depois da prova porque estava sendo submetido a um exame antidoping de rotina. Se existia alguma dúvida, parece claro agora que ele continuará a servir como o astro cujo histórico ilumina o quanto é complicado limpar o esporte, em parte por conta de seu comportamento.

Sun, que Horton descreveu como "um trapaceiro do doping" na olimpíada de 2016, voltou a atrair atenção em setembro de 2018 ao esmagar um frasco de sangue com um martelo para impedir que técnicos do antidoping deixassem sua casa com uma amostra.

No aquecimento para a prova de 100 metros nado de peito que ela terminaria vencendo, a americana Lilly King por acaso olhou para o telão na qual a cerimônia de medalhas se desenrolava em toda sua glória.

King não tem medido palavras em suas expressões de desdém aos usuários de doping e à Fina, cujos esforços para limpar o esporte ela considera como seriamente deficientes, e expressou admiração por Scott.

"O que ele fez foi incrivelmente corajoso", ela disse, apontando que o colega certamente enfrentará consequências.

"A Fina até o momento fez mais para repreender Mack Horton do que para repreender Sun Yang", ela disse.

Que isso seja ou não verdade já não parece importar para muitos dos principais nadadores, especialmente os dos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido. Sun era uma criança em 1994 quando 10 nadadores chineses foram apanhados no antidoping por uso de substâncias que melhoram o desempenho. A China depois disso foi excluída do Campeonato Pan-Pacífico de Natação de 1995, e o incidente criou suspeitas persistentes da parte do Ocidente. ​

Momento em que Sun Yang confrontou Ducan Scott na premiação dos 200 m livre - Stefan Wermuth - 23.jul.2019/Reuters

Embora o método adotado por Sun para invalidar o exame tenha sido extremo, não é inédito que atletas expressem desconforto quanto a alguns aspectos do processo antidoping.

Travis Tygart, presidente da Agência Antidoping dos Estados Unidos, disse que os atletas às vezes se recusam a oferecer amostras por diversos motivos, e quando isso acontece são encorajados a contatar as autoridades antidoping e conversar sobre suas preocupações. Em uma troca de emails, Tygart afirmou que "provavelmente falei com 12 a 24 deles nos últimos 10 anos para explicar o processo e responder a quaisquer perguntas. Mas jamais recebemos uma amostra que depois o atleta tivesse destruído."

Os atletas tendem a abordar exames antidoping com a mesma atenção a detalhes que pilotos ao realizar inspeções em seus aviões antes de um voo, e por bons motivos: um resultado adverso pode destruir carreiras e arruinar reputações.

Nathan Adrian, ganhador de oito medalhas olímpicas, disse que houve momentos nos quais ele abordou as autoridades antidoping em busca de esclarecimentos sobre alguns aspectos do procedimento de testes. E que o processo de coleta ainda o incomoda.

"Eu seguia o técnico antidoping e não permitia que a amostra saísse de minha vista até que ela chegasse à agência da FedEx para despacho", disse Adrian. "E no caminho eu ligava para a agência antidoping para me certificar de que a papelada era legítima."

No caso de Sun, um painel independente ouviu argumentos de ambas as partes e decidiu em favor do atleta. A recusa do nadador de fornecer uma amostra não violava as regras antidoping, o painel decidiu, porque os técnicos não exibiram os documentos de validação requeridos para extrair sangue, nos termos do Padrão Internacional de Teste e Investigação.

"Foi provavelmente uma decisão muito difícil, e um empate conta em favor do atleta", disse Tygart.

Momento em que Mack Horton (abaixo, à esquerda) se recusou a ir ao pódio com o medalhista de ouro Sun Yang (centro) - Ed Jones - 21.jul.2019/AFP

A Agência Mundial Antidoping busca punição mais severa a Sun no Tribunal Arbitral Esportivo, o órgão judicial mais alto do esporte mundial, mas audiência só acontecerá em setembro.

Horton, irritado por o caso sobre Sun não ter sido decidido antes do mundial, fez seu protesto na premiação hesitantemente, porque sabia das consequências.

"Eu estava ciente de que o atleta australiano sentia insatisfação e outros sentimentos pessoais negativos sobre mim", disse Sun por intermédio de um intérprete depois de sua vitória nos 400 metros estilo livre. "É OK ele me desrespeitar, mas desrespeitar a China foi muito infeliz, e lamento que tenha acontecido."

King disse que viu atletas de todo o mundo aplaudindo Horton quando ele entrou no refeitório na noite de domingo. Mas ele foi criticado em alguns quadrantes. Richard Ings, que foi presidente da Agência Antidoping Australiana, tuitou que Horton merecia ser multado por seu comportamento.

Em entrevista segunda-feira à rádio Sports Entertainment Network 1116, de Melbourne, Ings se descreveu como "alguém que não é grande fã de Sun Yang", mas acrescentou que "acredito que os atletas estão percorrendo um caminho muito traiçoeiro se optam por fazer acusações contra outras pessoas que eles não são capazes de substanciar".

A organização que comanda a natação internacional também censurou Horton, divulgando um comunicado no qual afirma que os eventos da Fina não são lugar para "realizar declarações ou gestos pessoais".

Mensagem recebida. Depois de uma classificatória para os 800 metros estilo livre na terça-feira, Horton contornou perguntas sobre o protesto. "O foco agora está nas provas por equipe e em garantir que passemos bem por essa semana", ele disse.

A 10 mil quilômetros de distância, no sul da Califórnia, Shirley Babashoff expressou admiração pela posição de Horton. Em 1976, depois de concorrer contra uma equipe alemã oriental que nadava com ajuda de doping, ela perguntou aos treinadores americanos se podia abandonar a cerimônia de medalhas em sua prova olímpica individual.

Eles não autorizaram que o fizesse, mesmo que ela tenha quebrado o recorde dos 800 m livre e ainda assim terminado em segundo atrás de uma nadadora que hoje todos sabem era participante de um programa de doping patrocinado pelo governo da Alemanha Oriental.

"Quando você não está sendo ouvido", ela disse, "essa é a maneira de agir."


The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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