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Onda de podcasts cria aposta por crescimento dos audiolivros no Brasil

Editoras enxergam no formato um pequeno alívio para a crise que o setor enfrenta

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São Paulo

São dois ônibus e metrô, em quase uma hora e meia, para que o analista de sistemas Lucas Rosa, 29, complete o caminho de sua casa até o trabalho. Do Tucuruvi ao Itaim Bibi, ou seja, da zona norte de São Paulo à zona oeste, só uma coisa não muda no trajeto: ele não tira os fones de ouvido jamais.

“Antes escutava a minha playlist de músicas, mas desde o ano passado só ouço podcasts. O tempo rende mais”, diz.

No seu celular, o programa favorito é o Nerdcast. Como surgem projetos novos todos os dias, é difícil calcular quantos podcasts existem hoje no Brasil. Mas a Abpod, que é a Associação Brasileira de Podcasters, estima que sejam mais de 3.000. E esse crescimento vem soando como música para os ouvidos de outro setor: o mercado editorial.

Ilustração de fone de ouvido com trecho do livro "Sapiens" - Jairo Malta

Segundo a pesquisa Painel do Varejo de Livros no Brasil, a indústria de livros viu seu faturamento cair 14,5%, se compararmos o primeiro semestre de 2019 com o de 2018. Isso fez com que editoras passassem a buscar outras saídas —entre elas, o audiolivro, que vivia um silêncio quase budista até poucos anos atrás.

“As plataformas de streaming e os podcasts são portas de entrada e geram o hábito de ouvir não só audiolivros, mas outros conteúdos em áudio, como séries e documentários sonoros, por exemplo”, diz Flavio Osso, um dos fundadores da Ubook, plataforma que reúne mais de 380 mil títulos em áudio e texto de cerca de 250 editoras e produtores.

Mais que uma sensação, alguns dados sustentam que o mercado está em expansão no Brasil. A Ubook, criada em 2014, recebeu neste ano um investimento de R$ 20 milhões e planeja abrir seu capital na bolsa de valores de Toronto em janeiro de 2020. Até o fim do mês, a empresa terá 16 estúdios próprios.

Mas, neste ano, concorrentes surgiram. Uma parceria entre as editoras Record, Intrínseca e Sextante criou em junho a Auti Books, que atualmente conta com cerca de 200 títulos e já vendeu mais de 37 mil audiolivros. 

No mês passado, a sueca Storytel estreou no Brasil com conteúdos sonoros e audiolivros de peso, caso de “O Pequeno Príncipe”, narrado por Marcelo Tas, e da saga “Harry Potter”, prevista para o primeiro semestre do ano que vem.

O que escutamos no Brasil, porém, não é algo isolado —está mais para um eco da Europa e dos Estados Unidos. Neste ano, por exemplo, a Feira do Livro de Frankfurt, o mais importante evento do gênero do mundo, tem um espaço de 600 m² somente dedicado a audiolivros, podcasts e projetos para serem ouvidos. 

Além disso, no ano passado, Markus Dohle, diretor-executivo da Penguin Random House, maior grupo editorial do mundo, afirmou que o futuro pertence aos audiolivros, e não aos ebooks. De acordo com ele, em sete anos, mais de 50% das vendas digitais da companhia virão do áudio.

Segundo as plataformas e as editoras, o otimismo brasileiro vem sobretudo de dois pontos: a possibilidade de escutar o conteúdo em qualquer celular e a chance de atrair quem não gosta de ler, mas que está aberto a boas histórias.

 

“Isso é ainda mais evidente quando falamos do Brasil. Hoje temos mais smartphones que habitantes e, além disso, boa parte das cidades não tem livrarias ou bibliotecas”, analisa Claudio Gandelman, diretor-executivo da Auti Books.

Mas a pergunta que inevitavelmente surge é: o quanto da moda dos podcasts e da aposta em audiolivros é um canto da sereia como o dos livros para colorir, que enfeitiçaram o mercado editorial em 2015?

O espanhol Javier Piñol, diretor do Spotify Studios na América Latina, acredita que o que escutamos não é uma miragem. Segundo ele, o mercado de áudio não está perto do teto e, em pouco tempo, 20% dos títulos da plataforma, que chegou ao Brasil em 2014, será de conteúdo não musical.

“O crescimento parece sustentável porque o interesse pela rádio sempre existiu. Fora isso, hoje todo mundo tem um celular e uma rotina ocupada. O áudio fornece uma complexidade de sensações, mas requer menos compromisso que o vídeo”, diz Piñol.

Embora não exista uma oferta consistente de audiolivros em português no Spotify, o executivo diz que a produção é uma prioridade para os próximos anos. “Queremos ser a principal plataforma de áudio do mundo, por isso ter audiolivros é uma obrigação.”

Renan Cirilo Alves, vice-presidente da associação de podcasters, afirma que a sustentabilidade dessa onda passa pela profissionalização do setor. “Vemos uma virada no perfil do produtor, que está transformando o hobby em profissão e se aperfeiçoando não só na parte técnica, mas também na gestão do negócio.”

Equipe brasileira da Storytel, empresa sueca de audiolivro - Divulgação

Mas, para se tornar uma atividade econômica realmente viável, essa profissionalização vai precisar seduzir e fidelizar seus ouvintes. Ainda não se sabe muito bem quem é o consumidor de audiolivros
no Brasil. Mas, quando o assunto é podcast, algumas pistas já começam a surgir.

Uma pesquisa feita no ano passado pela Abpod com cerca de 22 mil pessoas aponta que o ouvinte padrão é alguém como Lucas Rosa, o analista de sistemas que escuta podcasts todos os dias no caminho para o trabalho: homem, de 23 a 29 anos, solteiro e com ensino superior completo.

No caso específico dos audiolivros, as plataformas adicionam mais uma característica —essa pessoa também é não leitora de livros em papel. 

“Para se tornar uma plataforma de massa, precisamos ultrapassar os limites do mercado de livros físicos. Até porque o leitor de papel dificilmente vai querer mudar de formato. A estratégia é oferecer um leque grande de conteúdos e usar o podcast, que já é um formato mais aceito, como primeiro passo para que o usuário escute outras coisas”, acredita André Palme, gerente da Storytel no país.

O que nem sempre é fácil. “Prefiro podcasts porque eles agregam alguma coisa. Se eu quiser entretenimento, vou ouvir música”, conta Lucas Rosa.

PODCASTS E AUDIOLIVROS NO BRASIL

Quem escuta podcasts?
Segundo pesquisa feita em 2018 pela Abpod, associação do setor, o ouvinte brasileiro é homem (84,1%), tem entre 23 e 29 anos (35,3%), é solteiro (56,2%), com ensino superior (32,7%) e faz parte das classes A e B (69,1%).

Quais são os audiolivros mais ouvidos?
Geralmente os de não ficção e de autoajuda. Na Auti Books, os campeões de downloads são ‘Sapiens’ (trecho do livro compõe a ilustração acima), ‘Mindset’ e ‘O Poder do Hábito’.

Tem mais gente em busca desses conteúdos?
Não há pesquisa nacional sobre podcasts e audiolivros juntos. Mas as plataformas dizem que sim. O Spotify afirma que a audiência de podcasts cresce mais de 50% a cada três meses.

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