Romance sobre o racismo naturalizado traça retrato profundo sobre o Brasil
Protagonista participa de comissão para definir critérios para identificação étnica de autodeclarados afrodescendentes que se candidatam a cota
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Tema importante numa sociedade com febre alta, envolvendo aspectos urgentes e mesmo inadiáveis, num romance conduzido com segurança e destreza —aí está o mix de acertos obtido por Paulo Scott em seu livro “Marrom e Amarelo”.
O tema é o racismo cotidiano, jamais enfrentado com a ênfase de nosso tempo. As urgências são aquelas ligadas ao mundo real do racismo, como a política de cotas, finalmente uma providência para pagar uma conta multicentenária.
E o romance, aí está: o protagonista e narrador, Federico, participa de uma comissão em Brasília para tentar definir critérios objetivos para identificação étnica de autodeclarados afrodescendentes que se candidatam a uma cota.
Federico é afrodescendente, mas de pele clara, enquanto seu irmão mais novo, Lourenço, de mesmo pai e mesma mãe, tem pele escura. Uma família negra mas de pais integrados, morando em Porto Alegre, num bairro no qual em poucas quadras se pode passar do ambiente sereno de classe média confortável para a vizinhança imediata do crime.
O presente do romance, 2016, alterna com 1984, quando o narrador ingressava na universidade e vivia a transição da ditadura militar para a democracia. Entre esses polos se arma a equação que Scott conduz com segurança, atribuindo a seu narrador, um cinquentão em crise de consciência, um tom de contido sarcasmo, que sugere explosão a qualquer momento.
Mas quando algo explode de fato não é ele que está no centro da cena, e sim sua sobrinha, Roberta, que será presa na repressão a uma manifestação que queria preservar conquistas de um grupo de sem-teto.
Também aqui os dois tempos e os dois irmãos serão acionados no relato, em paralelo tenso altamente ilustrativo da vida brasileira.
Os mais fortes momentos são as descrições de humilhações racistas naturalizadas no Brasil, uma “chuva ácida” reiterada, como diz Federico, com efeitos meio invisíveis, mas certos. De todo modo, o conjunto guarda uma potência rara de visada crítica e encontra uma solução original no desfecho da trama, uma cena em aberto, de boa força plástica e intensa desolação existencial.
Evitando as soluções simples e investindo nas ambivalências de classe e de identidade étnica dos protagonistas, Scott talvez tenha produzido um romance duradouro, uma interpretação profunda sobre nosso tempo e nosso país.
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