Livro 'Alienação e Liberdade' revela enigmas do Frantz Fanon psiquiatra
Seleção de textos aborda o impacto do racismo sobre o sofrimento psíquico dos colonizados
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Publicado agora no Brasil, “Alienação e Liberdade – Escritos Psiquiátricos”, de Frantz Fanon, é uma seleção de textos da segunda parte do volume “Écrits sur L’Aliénation et la Liberté”, lançado na França em 2015. O volume era então, naquele ano, a primeira reunião de escritos de Fanon surgidos num intervalo de 50 anos.
Nada explica tanto desinteresse editorial —senão a morte simbólica de tudo o que não seja considerado o cânone da supremacia branca— pelo pensamento e a vida deste revolucionário psiquiatra de pele preta, filósofo e militante radical da causa negra e do anticolonialismo, estudioso tão peculiar do impacto do racismo sobre o sofrimento psíquico dos colonizados.
No Brasil, “Alienação e Liberdade” vem habitar um tanto do deserto de edições brasileiras de obras do autor de “Pele Negra, Máscaras Brancas”, que saiu pela Edufba, em 2008. Anterior a esta, somente uma edição de 1968 de “Os Condenados da Terra”, da Civilização Brasileira, completamente fora de catálogo.
Frantz Fanon nasceu em 1925, na ilha caribenha da Martinica, de colonização francesa, e morreu muito precocemente, de leucemia, em 1961, aos 36 anos. Aos 18, quando da Segunda Guerra Mundial, alistou-se no Exército francês para lutar contra a Alemanha nazista.
A discriminação racista que experimentou no front francês, como soldado negro, despertou no futuro psiquiatra a necessidade de resistir de modo radical à violência com que a Europa tratava a população não branca das colônias, cuja cultura, tida como “incivilizada”, era desconsiderada, não reconhecida e oprimida.
Resistência revolucionária em Fanon significa não apenas a luta pela descolonização política e social (inclusive por meio de armas), mas também pela libertação da subjetividade do colonizado. Como aponta Renato Noguera no prefácio a “Alienação e Liberdade”, para Fanon, a colonização das subjetividades produz patologias (a loucura, a alienação psíquica), de modo que nenhuma revolução poderia acontecer sem a descolonização do pensamento.
Fanon formou-se em psiquiatria na Universidade de Lyon, onde ingressara depois da Segunda Guerra. Fez sua residência médica no hospital psiquiátrico de Saint-Alban, trabalhando ali com François Tosquelles, o psicoterapeuta catalão antifranquista e criador da psicoterapia institucional. Os métodos libertários e alternativos de tratamento implementados por Tosquelles foram aplicados e desenvolvidos depois por Fanon na África.
A edição brasileira de “Alienação e Liberdade”, da editora Ubu, concentra os textos psiquiátricos de Fanon escritos entre 1951 e 1959. Resultado de vasta pesquisa realizada por Jean Khalfa e Robert Young, o volume traz alguns textos inéditos, bem como outros publicados quando da permanência de Fanon na África. Ele trabalhou como psiquiatra na Argélia (1953-1956) e na Tunísia, a partir de 1957.
Escritos individualmente ou em coautoria com colegas médicos e estudantes, os textos de “Alienação e Liberdade”, a despeito da especificidade médica de alguns, são de leitura interessantíssima para qualquer leigo que queira conhecer melhor a vida e a filosofia de Frantz Fanon.
Exemplo disso são “Considerações Etnopsiquiátricas”, “Atitudes do Muçulmano Magrebino Diante da Loucura” e “Encontro entre a Sociedade e a Psiquiatria”. Este último são anotações de aula de
Lilia Ben Salem, aluna de Fanon na Universidade de Túnis.
Em seu relato sobre o Fanon professor, Ben Salem afirma: “Admirávamos nele o militante da descolonização e da independência da Argélia, sua rejeição a todas as formas de submissão e de desigualdade”. E observa também: “Falava-nos ainda da opressão colonial e da violência, do racismo que sofrera desde sua juventude, especialmente no Exército francês [...], ou então na universidade [...], onde fora ‘confrontado, apartado, isolado’; do racismo contra os negros, contra os colonizados [...]”.
Frantz Fanon já naquela época tendia a rejeitar o ambiente carcerário do hospital psiquiátrico. Passou sua vida tão curta dedicado ao aprimoramento da socioterapia, da abordagem sociogênica nas intervenções psiquiátricas, na defesa da liberdade para os oprimidos, no combate à dominação e à exploração do homem pelo homem.
Em “Alienação e Liberdade” é notável o senso refinado de suas visões nos campos da psiquiatria, filosofia e política, como bem observou Christopher J. Lee em artigo no site Africa Is a Country. Um personagem que fascinava, como disse sua ex-aluna Ben Salem, “apaixonado e apaixonante”.
“Alienação e Liberdade”, segundo conclui Lee, “reflete as peregrinações de um homem inquieto, cuja experiência de racismo levou à autodeterminação pessoal, que escolheu o compromisso intelectual sobre o status social, que abraçou os riscos do envolvimento político em vez de aceitar um meio de vida seguro da classe média”.
Marilene Felinto é escritora e tradutora, escreve na Folha nos dois últimos domingos do mês. marilenefelinto.com.br
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters