Filme enfrenta autoritarismo ao revisitar história chinesa
Jia Zhang-ke reúne depoimentos de escritores e acadêmicos participantes de um evento literário na China
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Com quantas histórias se faz a história, aquela cuja solenidade costuma se expressar com "H" maiúsculo? A pergunta percorre cada um dos fios, curtos ou longos, que Jia Zhang-ke enlaça em "Nadando Até o Mar se Tornar Azul", que está em exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Na superfície, o documentário é um registro em 18 capítulos de depoimentos de escritores e acadêmicos participantes de um evento literário realizado na província de Shanxi, região natal do cineasta chinês. A primeira impressão é que Jia realiza um documentário convencional, povoado por cabeças falantes que narram experiências vividas e memórias de família. O formato "acadêmico" da apresentação não apaga a riqueza desses conteúdos.
O que importa aqui são as falas na primeira pessoa, um modo quase subversivo de enfrentar uma história nacional moldada pelo coletivo, pelos totalitarismos, pela redução do indivíduo a um número em meio a bilhões.
Cada fala reelabora 70 anos da história chinesa. Do fim da guerra civil e a ascensão do maoísmo em 1949, passando pela Revolução Cultural em pleno vigor em 1969, à configuração da China atual a partir de 1979, o filme parece ter como meta reconstituir o macro a partir do micro.
"Nadando Até o Mar se Tornar Azul" poderia ser confundido com qualquer maçante projeto histórico. Não é irrelevante, contudo, que os depoentes pertençam ao universo literário. Dispersos entre os capítulos, Jia insere fragmentos de jovens leitores imersos em livros, lendo em voz alta, capturados por outro sentido da palavra "história".
Como o impulso de narrar se torna uma ação telepática quando as palavras alcançam seu leitores e invadem suas consciências? Qual o efeito disso sobre leitores jovens que não viveram aqueles eventos traumáticos e, no entanto, os revivem emocionalmente? Estas são questões comuns à literatura tanto quanto ao cinema.
Grande cronista do nosso tempo e da sua China, Jia vai ao passado, mas sabe que não é possível o revisitar por conta própria. Seu cinema é rebelde à narrativa oficial não pela obstinação de desconstruir a imagem estabelecida.
Desde "Artesão Pickpocket", de 1998, seus filmes são feitos das histórias de gente comum. "Nadando Até o Mar se Tornar Azul" só confirma a simplicidade desse projeto, aquilo que o torna incomum no nosso oceano cheio de banalidades sofisticadas.
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