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'É preciso ver na justiça um valor maior do que sentimentos primitivos', diz rabino Michel Schlesinger

Ciclo de Cinema e Psicanálise debateu 'O Oficial e o Espião', que retrata o caso Dreyfus

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São Paulo

Logo no começo de “O Oficial e o Espião”, é retratada a cerimônia pública de degradação militar do capitão Alfred Dreyfus, de origem judaica, acusado injustamente de traição e condenado à prisão perpétua no exílio. Enquanto assistem à humilhação, os oficiais de alta patente comentam entre si que o evento era semelhante ao que ocorria no Coliseu durante o Império Romano. “Os romanos atiravam cristãos aos leões, nós os judeus. Não é um progresso?”, ironiza um dos militares.

Na visão do rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, a comparação feita pelo militar explicita a dificuldade dos seres humanos em saírem do ciclo de violência que reproduz preconceitos e perseguições em diferentes gerações e culturas.

Para o psicanalista David Levisky, que também participou do debate do Ciclo de Cinema e Psicanálise nesta terça-feira (1), a perpetuação da violência na história mundial está diretamente à natureza humana. “O homem, com sua capacidade simbólica e de representação, tem, hipoteticamente, mais condições de construir meios de equilibrar ou atenuar essa relação de forças, mas não há cultura em que não se encontrem expressões de violência.”

Na trama de Roman Polanski, o caso verídico de Dreyfus, que ocorreu de 1894 a 1906, durante a Terceira República na França, é protagonizado pelo capitão Marie-Georges Picquart, papel de Jean Dujardin, responsável pela investigação dentro do Exército e pela articulação da denúncia da injustiça à população francesa.

A psicanalista Luciana Saddi, que fez a mediação do debate, cita que, para Sigmund Freud (1856-1939), a justiça foi um dos ganhos civilizatórios mais importantes. "A gente pode pensar que, quando a justiça é ofendida, não apenas um homem é injustiçado, mas toda a civilização se enfraquece.”

Schlesinger afirma que a chave para compreender o filme está na chegada de Picquart em sua nova sala do Exército e na sua tentativa de abrir uma janela emperrada. O rabino vê no esforço desse ato um resumo da conduta do militar que, apesar de se declarar antissemita, “vê na justiça um valor maior e suficientemente legítimo para que ele possa superar seu preconceito”.

"Todos nós somos racistas, antissemitas, homofóbicos, islamofóbicos e xenófobos, a não ser que tenhamos coragem de abrir essa janela e colocar a ética, a justiça e o bem comum acima desses sentimentos primitivos”, diz o rabino.

Tanto Saddi como Levisky comparam a atuação de Picquart ao ofício do psicanalista. “O psicanalista é aquele que procura conhecer as artimanhas da consciência e espera por pequenas fissuras na narrativa para expor a verdade do inconsciente", afirma Saddi.

No entanto, Levisky reforça que, mesmo que estude as motivações e fantasias inconscientes que levam um indivíduo a organizar um tipo de ação e pensamento, a psicanálise não muda o sujeito. “O indivíduo, ao tomar consciência dos seus aspectos positivos ou negativos, tem uma oportunidade maior para buscar o seu equilíbrio e diminuir o conflito interno e sentimento de culpa, mas isso é um trabalho árduo.”

O mesmo é dito por Schlesinger, que concorda que o preconceito não some de uma hora para outra. “A decisão de confrontar nosso racismo não faz com que esses sentimentos deixem de existir, nós simplesmente aprendemos a lidar com eles e colocá-los em diálogo com outros valores.”

Para ele, estabelecer o diálogo em meio à diversidade de opiniões exige duas capacidades: a primeira é ter segurança de quem nós somos para não ver o outro como uma ameaça a ser destruída, e a segunda é permitir que essa segurança seja relativizada a ponto de ouvir o que o outro tem a dizer.

"A diversidade é, em termos religiosos, um pré-requisito para que a gente se aproxime da unidade de Deus, porque unidade não quer dizer uniformidade. Nós confundimos isso e alimentamos uma sociedade maniqueísta, na qual, para eu estar certo, o outro precisa estar errado."

“O Oficial e o Espião” mostra contradições e ambivalências dos personagens. Durante todo o julgamento, Picquart não media forças para provar a injustiça que o Exército estava cometendo e o conflito de interesses. Porém, no final do filme, quando conquista alta patente e recebe Dreyfus em seu gabinete, não pensa duas vezes ao negar sua solicitação pela igualdade de direitos diante do tempo que passou preso.

Levisky afirma que “imaginar que apenas o bom senso fará com que as coisas se modifiquem nem sempre funciona”. Segundo ele, a voz do Picquart só foi ouvida porque houve uma sensibilização das forças populares que transgrediu a noção de justiça predominante até então por aqueles que estavam no poder. “Não estou pleiteando a violência, mas uma energia de vida é necessária para abrir as portas para a liberdade, que depende da eterna vigilância porque, se não for cuidada, as instituições nem sempre salvaguardam esse valor precioso.”

O Ciclo de Cinema e Psicanálise é promovido pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, em parceria com a Folha e o Museu da Imagem e do Som. A última edição do ciclo deste ano ocorre no dia 15 de dezembro, às 20h, com o debate do filme “Quem Você Pensa que Sou”, de Safy Nebbou. A transmissão será feita pelo canal do MIS no YouTube.

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