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'Risque Esta Palavra' não frustra, apesar de não ser um livro bem realizado

Escritora Ana Martins Marques aparece em sua versão mais madura com obra que exalta o corpo do eu lírico

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Amador Ribeiro Neto

Mestre pela USP e doutor pela PUC-SP, é professor titular aposentado do curso de letras da Universidade Federal da Paraíba.

Risque Esta Palavra

Avaliação: Bom
  • Preço: R$ 44,90 (120 págs.); R$ 29,90 (ebook)
  • Autor: Ana Martins Marques
  • Editora: Companhia das Letras

“Encerramos afinal nossa aventura/ eu e tu”, e “a poesia —parece estar de volta.../ é mesmo ela”, versos finais de "Risque Esta Palavra", o mais recente livro de Ana Martins Marques. Parecem versos de um tratado, uma tese, uma comprovação. É um livro de poemas.

Dirigido a “meu amigo”, o chamado cria um vínculo com o leitor que se volta ao título do volume e então percebe que o verbo riscar, além de significar apagar, pode ter o sentido de realçar. Risque, em vez de deletar, pode ser lido como grifar, destacar. O nome do livro como uma possível exaltação da linguagem da poesia.

A poeta Ana Martins Marques, que lança 'Risque Esta Palavra' pela Companhia das Letras - Mauro Figa

De fato há este projeto. Um fio estrutural e temático busca dar unidade ao livro. Se não chega a ser bem realizado, não frustra. Tal como nos versos, “assim como a Boêmia/ também Minas faz fronteira com o mar”, "Risque Esta Palavra" é mar imaginário cercado por montanhas. Mas leva a viagens intercontinentais. Seguramente, é o livro da maturidade da autora.

Os anteriores vieram marcados por cacoetes e modismos que a filiavam a grupos, mas não distinguiam seu lugar. Uma poesia diluída, desleixada, de descrição ou enumeração de significados e coloquialidade esvaziados.

Somemos a isso a diluição drummondiana e os clichês que a poesia marginal insistiu em valorizar tolamente. Porém, entre um ou outro poema, havia versos que apontavam para algo novo. Todavia, os prêmios vinham e afogavam o que poderia ser um começo de experimentação.

"Risque Esta Palavra" surge seis anos depois de sua última publicação. No título, o imperativo afirmativo pode encerrar uma negação. À semelhança da narrativa machadiana em "Dom Casmurro", é pedido ao leitor negligenciar o que está escrito. Recomeçar. Inútil, já fora incorporado pela leitura.

O ludismo de “Mostrar e Ignorar o Visto” incorpora signos passados que interessam ao presente. E é assim que o livro cresce com um projeto que se estende do título ao último verso, a linguagem como corpo do tempo e da poesia.

“Finados” se resolve em poucos versos, ritmo frenético e a fugacidade da vida mais a vizinhança da morte. Põe o leitor dentro do poema o levando a vestir as camisas deixadas nos armários e a habitar as “casas coloridas” e “alegres sem motivo”.

Em “Fazer as Malas É Tarefa Impossível”, a desconhecida alteridade de si próprio marca o tom dos versos. “Quem está de partida/ arruma a mala/ de um desconhecido.” A reflexão pessoal e a linguagem são duas viagens dentro do poema.

Corpo, tempo, impermanência, palavra, água, memória, morte, a figura masculina, mar, são alguns dos elementos que fazem a trama poética de Ana Martins Marques. Todos interligados –“cada corpo confina com o que lhe falta”, como num verso de “Minas à Beira-Mar”.

“Noções de Linguística”, a terceira parte, é bem sucedida linguagem falando da própria linguagem. Os poemas “Língua” e “É Uma Alegria Haver Línguas” pensam e vivenciam a língua dentro da linguagem do corpo do eu lírico. Quebram o estado de dicionário e inauguram o estado de poesia. Por isso, se prestam para serem lidos em silêncio, em voz baixa, alta, reproduzidos por impresso, em imagem, som, dança etc.

Quer seja, dois poemas que pedem ir livro afora. “No princípio/ toda língua é estrangeira// acerca-se do seu corpo como de uma cidade/ até tomá-lo/ fazê-lo chamar-se a si mesmo pelos nomes/ que ela lhe dá:/ pé perna barriga dentes.” Ou então –“é uma alegria haver línguas/ que não entendo// nelas é sempre infância:/ mar mãe manhã”.

Em "Prosa (I) e (II)", a ironia, que antes salteava os poemas, agora desenha mancha gráfica de grande efeito e deleite. O que um dia fora arremedo de prosa poética é agora amadurecido poema em prosa de prazerosa intertextualidade e acentuada musicalidade.

“Parar de Fumar”, a parte que encerra o volume, desenha um único poema na estrutura e no tema. Está estruturado visual e ritmicamente de tal forma que o leitor chega ao fim quase sem se dar conta, tomado pela beleza da linguagem. Então, constata que a última poesia se ata à primeira.

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