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John Berger arrepia ao mostrar como os bichos 'olham para além de nós'

'Por Que Olhar para os Animais?' mescla ensaio, narrativa e poesia para estreitar abismo entre humanos e não humanos

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Maria Esther Maciel

Por Que Olhar para os Animais?

Avaliação:
  • Preço: R$ 59,90 (106 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autor: John Berger
  • Editora: Fósforo
  • Tradução: Pedro Paulo Pimenta

"Por Que Olhar para os Animais?", do escritor, artista e crítico de arte inglês John Berger (1926-2017) é um livro precioso. Publicado recentemente pela editora Fósforo, em tradução de Pedro Paulo Pimenta, reúne nove textos escritos entre 1971 e 2009, nos quais o mundo vivo e as nossas controversas relações com os animais são expostos de forma prismática.

Numa mescla de ensaio, narrativa, relato e poesia, Berger —que foi uma das primeiras vozes a discutir, no cenário contemporâneo, a questão animal a partir de uma perspectiva ética, estética, política e etológica— trata da situação marginalizada dos animais na hierarquia dos viventes, das práticas de confinamento desses outros e do "abismo da não compreensão" que nos separa deles.

O escritor inglês John Berger, autor de 'Por Que Olhar para os Animais?' - Divulgação

O ensaio que dá título ao volume, escrito em 1977, ilumina histórica e conceitualmente os demais textos. Em quase todos, o tema do olhar é essencial e aparece por vias diversas. Já no primeiro conto, "Uma História de Ratos", encontramos "os olhos de azeviche" que um rato preso na gaiola dirige, sem piscar, ao homem que o captura.

Esse homem, por sua vez, também olha o rato. E é quando se lê: "Dificilmente alguém olha para um rato por tanto tempo quanto aquele homem o olha. Ou vice-versa." Na falta de uma linguagem comum entre as duas espécies, a troca de olhares passa a ser, assim, um meio privilegiado de comunicação.

No texto seguinte, ao tomar uma andorinha como ponto de partida para falar das fotografias do finlandês Pentti Sammallahti, o escritor acaba por nelas flagrar figuras de cães, ressaltando "as mensagens mudas e urgentes" que vêm dos olhos caninos. Isso o leva a concluir que, provavelmente, foi um cão que conduziu o fotógrafo ao instante e ao lugar onde as fotografias foram feitas.

O zoológico, também associado aos atos de olhar, ocupa de maneira incisiva um espaço de reflexão no ensaio principal e reaparece, com outras nuances, no impressionante "O Teatro dos Grandes Primatas", de 1990, em que que Berger mistura memória familiar e considerações sobre as habilidades cognitivas e emotivas de orangotangos, gorilas e chimpanzés, com ênfase do Zoo da Basileia.

Nos dois ensaios, ele evidencia que os zoológicos, apesar de terem como objetivo oferecer ao visitante a oportunidade de ver os animais, só podem decepcionar, pois neles as pessoas jamais poderão encontrar o olhar de um animal pousado sobre elas. Os bichos lá confinados, segundo o escritor, "olham para além de nós", por terem sido "imunizados contra o encontro".

No livro há, ainda, um ensaio sobre o consumismo, outro sobre a vida no campo e um belíssimo poema que, em tudo, dialoga com o ensaio "Por Que Olhar para os Animais?". Já o texto final é sobre o último dia na vida de Ernst Fisher, filósofo marxista e amigo do autor. Trata-se de um relato afetuoso que não deixa de ser também um perfil e um obituário.

Nele, o narrador recorda, entre outras coisas, os passeios com o amigo por um jardim cercado de arbustos e um salgueiro, fazendo com que a natureza entre nas frases com vitalidade e melancolia ao mesmo tempo, enquanto as experiências cotidianas se transformam numa celebração da amizade.

Em certo trecho do relato, Berger escreve que é difícil passar por aquele jardim sem sentir um arrepio. Talvez se possa dizer o mesmo em relação ao livro —não é fácil percorrê-lo sem sentir, de vez em quando, um arrepio. Mas neste caso, um arrepio provocado pela beleza que suas páginas trazem aos olhos e à sensibilidade de quem o lê.

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