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'Memoria' nos ensina a ouvir e a lembrar que cinema não é TikTok

Longa de Apichatpong Weerasethakul traz Tilda Swinton em paisagens colombianas na busca por som perturbador

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Memoria

Avaliação: Ótimo
  • Onde: Em cartaz nos cinemas
  • Classificação: 12 anos
  • Elenco: Tilda Swinton, Agnes Brekke, Daniel Giménez
  • Produção: Colômbia/Tailândia/França/Alemanha/México/Catar/Reino Unido/China/Suiça, 2020
  • Direção: Apichatpong Weerasethakul

Existem filmes, notadamente alguns de Alfred Hitchcock, Michelangelo Antonioni, Dario Argento e quase todos os de Brian De Palma, que podem nos ensinar a ver. São ensaios visuais que nos mostram que há sempre algo por trás da imagem, porque ela esconde outras imagens.

"Memoria", longa mais recente do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, é dos filmes que nos ensinam a ouvir. Para isso nos leva à Colômbia, onde encontramos Tilda Swinton, uma fazendeira escocesa chamada Jessica, que acompanha o tratamento hospitalar da irmã.

Tilda Swinton em cena do filme 'Memoria', do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, estrelado por Tilda Swinton - Divulgação

Na verdade, nada é muito explicado dessa relação, como também não sabemos ao certo por que Jessica não vai embora quando a irmã tem alta. Só sabemos que Jessica quer entender o estrondo grave que ela escuta nos horários mais diversos. Para descobrir, precisará aprender a ouvir.

Há, então, um deslocamento —o cinema, arte essencialmente visual, se torna neste filme algo essencialmente auditivo, porque é a partir de um estrondo que tudo vai se movimentar.

Nesse sentido, a cena em que Jessica entra na Universidade de Bogotá e se depara com o ensaio de uma pequena banda de jazz, com a música transcorrendo na íntegra, para deleite dos presentes e dos espectadores, acaba se revelando crucial. Tudo mudará, na protagonista e na narrativa depois dessa cena.

O filme passa a ter outro tempo, ainda mais lento, se tornando mais parecido com os longas anteriores do diretor. As perambulações da protagonista se intensificam, assim como os encontros. Depois de mais alguns minutos, saímos da cidade e vamos para o campo, como nos longas "Eternamente Sua", de 2002, e "Mal dos Trópicos", de 2004, com os quais o cineasta se tornou mais conhecido internacionalmente.

Essa divisão é um procedimento comum aos filmes do cineasta. Muitas vezes, a segunda parte é construída em contraposição à primeira, ou numa relação de espelhamentos que constituem uma ideia ou uma pesquisa.

Em "Memoria", a primeira parte é toda dedicada ao ato de ouvir —o estrondo estranho e grave, as buzinas, os ruídos da cidade, um estalo de escapamento de ônibus que parece o disparo de uma arma de fogo, o barulho da chuva, a banda de jazz.

A segunda, sem abandonar a intensidade sonora de antes, introduz as típicas paisagens rurais de seu cinema. É o predomínio do visual, segundo termo da proposição "audiovisual" que, gostemos ou não, tem substituído a denominação cinema em muitas esferas de discussão. Curiosamente, a cantora e atriz francesa Jeanne Balibar faz uma participação especial, unindo, mais uma vez, os dois termos em questão.

E assim temos na verdade múltiplos deslocamentos. Um diretor tailandês, aqui também roteirista, dirige uma atriz britânica, também produtora-executiva, que interpreta uma fazendeira escocesa durante sua estada na Colômbia, dentro de uma produção dividida entre nove países.

Há quem rejeite a ideia de audiovisual porque ela põe, sob o mesmo guarda-chuva conceitual, tanto a sétima arte quanto pequenos vídeos do TikTok ou do YouTube, entre outras formas de expressão.

Weerasethakul procura situar seu cinema nessa imbricação de registros desiguais, passando, sem hierarquizar, pela videoinstalação e pelo videoclipe, e curiosamente dá sequência às indagações sensoriais exploradas em seu longa anterior, "Cemitério de Esplendor", de 2015.

Há ainda uma outra questão. O filme se chama "Memoria". Jessica tem tido alguns lapsos de memória, e agora precisa lembrar como é o som que ouviu. Por isso há outra cena crucial ainda no início, quando ela entra num estúdio de som e o técnico, que com ela vai desenvolver uma grande amizade, a ajuda a encontrar, de modo eletrônico, algo que se aproxime do estrondo.

Essa é mais uma cena em que o áudio provoca a visão, com os gráficos do computador do técnico de som ocupando o fundo do plano e oferecendo um correlato visual à experiência sonora. Essa provocação vai acontecer também na sequência final, cujo desenrolar não convém adiantar aqui.

Para "Memoria" ter o impacto sonoro procurado, é necessário ouvir o filme da melhor maneira possível —numa sala de cinema com boa aparelhagem sonora ou em fones de ouvido potentes.

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