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Kafka, o mestre da concisão, não merecia uma biografia tão prolixa

Livro é achado para quem deseja pesquisar, mas leitor comum ganha mais se investir tempo e dinheiro na obra do autor

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Alex Castro

Escritor, é autor de 'Atenção.' e 'Mentiras Reunidas'

Kafka: Os Anos Decisivos

Avaliação: Regular
  • Preço: R$104,90 (656 páginas), R$69,90 (ebook)
  • Autoria: Reiner Stach
  • Editora: Todavia
  • Tradução: Sofia Mariutti

Kafka só é Kafka porque nada acontecia em sua vida. Ele morava com a família, trabalhava num escritório, escrevia num quartinho, nadava num clube, mastigava bastante a comida, caminhava muito. Era vegetariano, noivou duas vezes, nunca casou. Morreu aos 40.

Os textos cuja publicação autorizou são obras-primas da concisão, cada palavra é perfeita e necessária. "O Veredito", "Na Colônia Penal", "A Metamorfose", "Um Médico Rural" e "Um Artista da Fome" não somam 250 páginas —e são suficientes para fazer dele um dos maiores artistas da palavra que a humanidade já teve.

O escritor tcheco Franz Kafka. - Reprodução

Seus textos mais longos, não por acaso, são os que escolheu não publicar, e que lemos à sua revelia. Kafka, mais do que qualquer outro escritor, não merecia uma biografia tão inflada e prolixa.

A Todavia acaba de lançar no Brasil "Kafka: Os Anos Decisivos", volume intermediário da trilogia biográfica escrita pelo alemão Reiner Stach. Causa estranheza a decisão de começar a publicar uma trilogia pelo meio. Ainda que tenha sido originalmente publicada assim, a tradução não precisava ter seguido a mesma ordem.

Como está, o leitor brasileiro não só pega a história pela metade, mas, pior, na sua parte mais árida e desinteressante.

O primeiro volume talvez explicasse como aquele homem tão brilhante se viu preso numa situação familiar tão tóxica. O último volume certamente incluiria sua polêmica mais conhecida —Kafka pediu ao seu melhor amigo que queimasse seus textos inacabados e escritos pessoais, caso morresse durante uma internação clínica.

Acabou morrendo e o amigo publicou tudo, inclusive diários e cartas íntimas. Debatemos até hoje as ramificações éticas desse ato. O público tem direito à obra mesmo que à revelia do autor? "O Processo" pertence a Kafka ou à humanidade?

O que sobra para o volume do meio? Os anos entre 1910 e 1915 são "decisivos", já que foi neles que Kafka escreveu suas primeiras obras reconhecivelmente kafkianas —"O Veredito", "Na Colônia Penal", "A Metamorfose" e "O Processo".

Além do cotidiano banal de Kafka, o fio condutor da biografia é o seu romance com Felice Bauer, que acompanhamos carta a carta, em longuíssimas citações. Pior, como Kafka queimou as cartas de Bauer, mas ela guardou as dele, só temos em larga medida o seu lado da história.

Bauer, idosa e empobrecida, acabou cedendo à pressão do establishment literário e vendeu as cartas pessoais que guardara por 30 anos em troca de míseros US$ 8.000.

Stach, o biógrafo, é bom contador de histórias —quase consegue tornar interessante uma biografia na qual nada acontece— mas não é bom historiador —nunca questiona as cartas e diários de Kafka, como se qualquer pessoa fosse capaz de ser objetiva a respeito de si mesma— e nem bom crítico literário.

Enquanto outras biografias de escritores aproveitam para arriscar novas leituras de suas obras, Stach se limita a fazer conexões forçadas entre a vida de Kafka e detalhes ínfimos dos textos. O que mais falta a Stach, ironicamente, é a maior qualidade literária de Kafka, seu compromisso com a concisão e com o tempo do leitor.

Para leitores com interesse profissional na vida de Kafka, a biografia é um achado. Para leitores comuns, seria melhor investir seu tempo e dinheiro (re)lendo Kafka.

Uma boa porta de entrada é seu último conto, "Um Artista da Fome", escrito enquanto o próprio Kafka morria de fome —tinha tuberculose laríngea e não conseguia se alimentar. É a história de um artista que morre, aos poucos e ao vivo, diante de um público insaciável. Quem sabe depois tenham até publicado suas cartas íntimas e diários em infladas biografias.

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