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Artes Cênicas

Montagem de Mozart europeíza história para evitar orientalismos

Ópera 'O Rapto do Serralho' acompanha jovem espanhol que tenta resgatar amada de harém na Turquia

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São Paulo

O Rapto do Serralho

Avaliação: Bom
  • Quando: Qua. e sex., às 20h; dom., às 17h. Até 30 de abril.
  • Onde: Theatro São Pedro - r. Barra Funda, 171, São Paulo
  • Preço: R$ 30 a R$ 100
  • Classificação: 14 anos
  • Elenco: Ludmilla Bauerfeldt, Daniel Umbelino, Ana Carolina Coutinho, Raquel Paulin
  • Direção: Cláudio Cruz, Jorge Takla e Ronaldo Zero

Aprisionados após ter sua tentativa de fuga frustrada, enquanto aguardam a sentença do paxá Salim, o casal Belmonte-Konstanze reflete sobre amor, culpa, morte. É como se a cena se passasse dentro deles, e não durasse mais do que um segundo: essa é a magia da ópera.

Mozart escreveu um dueto extraordinário, no qual a música prolonga e estende a vida psíquica, que assim se revela a nós. Tinha, então, 26 anos.

Ludmilla Bauerfeldt em montagem da ópera 'O Rapto do Serralho', de Mozart, no Theatro São Pedro - Heloísa Bortz/Divulgação

A ópera "O Rapto do Serralho" —a palavra se refere ao harém dos palácios dos soberanos médio-orientais – está em cartaz no Theatro São Pedro, com direção musical de Cláudio Cruz e direção cênica de Jorge Takla.

O tal rapto do título é a tentativa de Belmonte libertar sua amada, Konstanze, bem como seus empregados Pedrilho e Blonde (também um casal) das mãos do paxá e seu terrível servo Osmin. É uma comédia.

Sobre texto de Johann Gottlieb Stephanie, Mozart escreve no estilo denominado "Singspiel", que descende das baladas inglesas e antecipa as operetas românticas. É uma forma de teatro popular, que alterna trechos cantados com diálogos falados.

Mozart renova o gênero, que renderá, nove anos depois de "O Rapto do Serralho", "A Flauta Mágica", escrita no ano de sua morte.

A Orquestra do Theatro São Pedro tocou com leveza, identidade estilística e som bonito nas cordas. Na récita de sexta-feira (21) faltou um pouco de sincronia ao trecho solo dos sopros na "Abertura", mas eles brilharam em outros momentos —como na ária de Belmonte no terceiro ato.

Ludmilla Bauerfeldt, como Konstanze protagonizou um belo momento do espetáculo na ária "Traurigkeit ward mir zum Loose", do segundo ato, mas suas coloraturas mais agudas foram, em geral, muito agressivas.

Daniel Umbelino dá ar sonhador a Belmonte, e Jean William aproveita com categoria o momento musical de Pedrilho na serenata do terceiro ato. O papel de paxá, feito por Fred Silveira, é apenas falado.

O baixo Luiz-Ottavio Faria destaca-se como Osmin: voz poderosa, veia cômica, presença de palco. Uma grata revelação foi ver a soprano Ana Carolina Coutinho como Blonde: voz bela e homogênea —com destaque para a ária no segundo ato, "Durch Zärtlichkeit und Schmeicheln"—, e atriz de amplos recursos.

A ideia de deixar o canto no original em alemão (com legendas) e trazer a parte falada para o português é boa e ajuda na fluência do espetáculo. Mas a passagem entre idiomas não é fácil de se fazer, e os diálogos em português foram interpretados, por vezes, de modo escolar e um tanto artificial.

Não é preciso ser um leitor de Edward Said para entender a forma estereotipada com que turcos e árabes eram vistos no século 18, e o próprio Mozart – ele mesmo autor de uma famosa marcha "Alla Turca" para piano —reclamou, em carta ao pai, da fraca qualidade desse texto.

Nesse sentido, ao trazer a cena do harém do sultão ao icônico e muito ocidental Hotel Ritz, em Paris, a montagem de Takla evita a armadilha da caracterização orientalista. Mas, com isso, igualmente, deixa a história confusa, e torna a ideia dos raptos e resgates —tão forte na narrativa original— bastante absurda.

Além disso, a introdução dos paparazzi gritando como loucos já na "Abertura" instrumental do espetáculo, exatamente quando Mozart busca de forma delicada e sutil antecipar sonoramente os acontecimentos futuros, produz um desnecessário e injustificável conflito entre cena e partitura.

A solução cenográfica de Nicolás Boni (amparada pela iluminação de Ney Bonfanti) é aconchegante, original e muito bem realizada: o palco do teatro ganha imensa profundidade, vemos Paris através de portas, janelas e varandas. Somos convidados a viver a maior parte da história de dentro para fora.

Nem por isso o texto cômico —que também não poupa espanhóis e ingleses (o casal principal é espanhol e Blonde é inglesa)— fica menos datado. Já a música de Mozart, por outro lado, segue cada vez mais atual, relevante e aberta ao futuro.

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