Theatro São Pedro abre 2023 com a ópera barroca 'Dido e Eneas', de Henry Purcell

Composta em 1688, obra se baseia em trecho trágico e romântico da "'Eneida', poema épico latino escrito por Virgílio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Com oito espetáculos de março a novembro, a temporada de óperas do Theatro São Pedro, que costuma privilegiar títulos que fogem ao convencional, tem início nesta quinta-feira (9) com uma obra-prima do barroco: "Dido e Eneas", do inglês Henry Purcell (1659-1695).

Neste caso, o termo "primo" se encaixa perfeitamente: é uma obra que não encontra similares na história da música em sua época, tampouco inaugura uma tradição. "É uma peça isolada dentro do repertorio, porque não vem da tradição do início da ópera, na Itália, com Monteverdi, Cavalli, e tampouco da linhagem francesa de Lully, Charpentier e Rameau", explica o violinista e regente Luís Otávio Santos, que realiza a direção musical da obra.

Composta em 1688, "Dido e Eneas" tem libreto de Nahum Tate e se baseia num trecho da "Eneida", poema épico latino escrito por Virgílio no século 1 a.C. e que conta a saga do herói mítico Eneas, que teria participado da Guerra de Troia. A ópera se centra no "Livro 4", que narra a trágica história de amor entre Dido, a rainha de Cartago, e Eneas.

Maria Cristina Kiehr e Johnny França na montagem da ópera 'Dido e Eneas', de Henry Purcell
Maria Cristina Kiehr e Johnny França na montagem da ópera 'Dido e Eneas', de Henry Purcell - Heloísa Bortz/Divulgação

A ação se inicia no palácio de Dido, que sofre por seu amor por Eneas e é consolada por sua irmã Belinda. Uma série de acontecimentos, com a intervenção de bruxas e feiticeiras, selará o triste final da rainha, que antes de morrer canta seu lamento –a ária final de Dido é considerada um dos grandes lamentos da história da ópera.

O elenco conta com a argentina Maria Cristina Kiehr, no papel de Dido que, aos 61 anos, é uma das mais importantes cantoras da música antiga no mundo. Ao seu lado estão Marilia Vargas, que vive Belinda, Johnny França, que encarna Eneas, Homero Velho, que vive Feiticeira, Daiane Scales e Ludmila Thompson que são bruxas.

"Eu não queria simplesmente fazer uma atualização para forçar uma empatia do público ou verossimilhança com as questões contemporâneas ao tratar de guerras, da diferença entre o masculino e o feminino. Tampouco queria fazer um espetáculo de época recriando aquilo que a gente imagina que deveria ser a Cartago antiga", explica o diretor cênico William Pereira.

"Todo componente visual do espetáculo parte do universo barroco, e para isso foi fundamental a presença de Ligiana Costa, musicóloga, e do coreografo Luiz Fernando Bongiovanni, que traduziu no corpo dos cantores a retórica gestual que é marca registrada do barroco. A encenação estabelece um diálogo com a estética barroca, mas ao mesmo tempo propõe um olhar contemporâneo sobre ela", complementa.

Sobre as particularidades musicais que fazem de Dido e Eneas uma obra única, Luís Otávio Santos exemplifica: "[a ópera] não tem exatamente o que a gente chama de recitativo, mas sim passagens declamadas com uma elaboração harmônica e melódica bastante complexas. Já as árias são de passagem, normalmente emendadas nos coros".

Tanto Pereira quando Santos destacam uma figura central da obra: o coro. "O coro está ativo em absolutamente todos os momentos, tem múltiplos afetos e personalidades", esclarece a soprano Marília Vargas, que além de atuar como Belinda é quem prepara e rege o grupo.

"A música demanda maleabilidade na voz e a cena é rica, com desafios de coreografia, trabalho corporal e mesmo rapidez e destreza, com trocas de roupa em poucos minutos".

O trabalho de preparar o grupo começou arregimentando as vozes de 16 jovens cantores, estudantes ou já formados nas escolas públicas de música de São Paulo e com alguma experiência no repertório barroco.

Um dos desafios, segundo Marília, foi encontrar a estética da música de Purcell, ainda pouco presente no circuito musical brasileiro. "Fizemos um grande trabalho na inflexão do texto, na prosódia e na procura da cor certa da voz", explica.

Com códigos próprios e uma linguagem que se afasta do repertório operístico do século 19, com o qual o público costuma estar mais habituado, Luís Otávio Santos explica que, em Dido e Eneas, a primeira coisa que surpreende é o caráter da ação. "O teatro musical é muito direto, por causa do princípio da música retórica: música e palavra são uma só, regradas por uma semântica musical muito definida. Mesmo a pessoa que não conhece todo esse léxico entende, pois é levada pela música e pelo texto."

"A ópera barroca é uma grande porta de entrada para quem quer começar a ouvir música clássica em geral, não só a ópera."

Dido e Eneas

  • Quando Qui. a dom., às 20h. De 9/3 a 12/3
  • Onde Theatro São Pedro - r. Barra Funda, 171
  • Preço De R$ 50 a R$ 100
  • Elenco María Cristina Kiehr, Marília Vargas, Johnny França
  • Direção Luis Otávio Santos e William Pereira
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.