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Como jovens usam itens retrô para viver o presente e resgatar estética do passado

Nostalgia da geração Z impulsiona volta de objetos antigos, como vinis, câmeras analógicas e celulares dos anos 2000

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São Paulo

Júlia Coelho usa uma câmera analógica da década de 1960 para fotografar a família. Na hora de tirar foto com os amigos, ela prefere uma pequena câmera digital dos anos 2000. Quando quer registrar áudios, a carioca recorre ao gravador de fita cassete dos anos 1990.

Esta poderia ser a descrição da rotina de alguém na década retrasada, mas ela pertence a uma representante da geração Z, de 24 anos. O grupo tem recorrido à tecnologia antiga para se conectar mais ao presente e reviver a estética de tempos analógicos.

"Com o celular, você tem precisão maior, lente e luz de mais qualidade. Só que as imagens são menos espontâneas", diz Júlia, que é designer. "Ao usar câmera digital ou analógica, existe uma limitação interessante. Não faço a menor ideia de como a foto vai sair."

Colagem com itens vintage - Silvis

A jovem não está sozinha no interesse pela imprevisibilidade. No TikTok, a hashtag "digital camera" acumula mais de 2 bilhões de visualizações e coleciona comentários como "vou roubar da minha vó", "trabalhar ano que vem para comprar uma" ou "estou confusa, câmeras digitais estão na moda de novo?"

Sim, estão. Uma evidência disso é o aumento da procura por esses itens em plataformas de compra. No site Ebay, as buscas cresceram 10% entre 2021 e 2022. Já em janeiro deste ano, a procura saltou 50% em relação ao mesmo período do ano passado.

E a volta da tecnologia retrô não se resume a câmeras. A venda de vinis nos Estados Unidos cresceu 21,7% no primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano anterior, de acordo com a Luminate, empresa que elabora pesquisas sobre a indústria do entretenimento.

Os dados encontram eco em um estudo da MRC Data, plataforma que coleta dados do mercado fonográfico. Os pesquisadores entrevistaram 4.041 pessoas acima de 13 anos e identificaram que os entrevistados da geração Z compraram mais vinis do que a média em 2020.

Ainda que possa parecer paradoxal, Coelho diz que recorre a tecnologias do passado para viver mais o presente. Isso porque, afirma, esses itens oferecem menos distrações do que o celular. "Com câmera digital ou analógica, você só saca o aparelho, tira a foto e guarda", diz a designer, para quem itens retrô são uma forma de combater a fadiga digital, a exaustão causada pela hiperconectividade.

"Eu trabalho e falo com a família usando o celular e, ainda por cima, ouvia música, via filme e tirava foto com ele. As minhas fontes de prazer e trabalho estavam no mesmo lugar. Isso começou a me incomodar."

O sociólogo Dario Caldas afirma que o fascínio por elementos antigos está relacionado à supervalorização do presente, fenômeno que o sociólogo francês Michel Maffesoli chama de presenteísmo. Ele prega a necessidade de aproveitar intensamente o agora, o que pressupõe experimentar a um só tempo o que aconteceu no passado e o que pode acontecer no futuro.

"A nostalgia é uma marca do nosso tempo. Na pós-modernidade, período que começa nos anos 1980, passa a haver um interesse crescente pelo passado", diz ele, que criou um escritório de tendências, o Observatório de Sinais. "A internet deu um gás enorme a esse aspecto, na medida em que passa a haver um estoque de imagens do passado."

Não à toa, a estética dos anos 2000 tem invadido desfiles de moda e feeds do Instagram, com a volta de itens como minissaias, calça de cintura baixa e camisetas oversized.

Os jovens também estão resgatando o antepassado dos celulares, aparelhos que não têm Wifi, câmera nem aplicativos de redes sociais. Eles são o contrário do smartphone, razão pela qual foram apelidados de "dumbphones", ou telefones burros.

O engajamento em torno desses aparelhos é tão grande que existem até fóruns dedicados a eles no Reddit. "Junte-se à revolução e aproveite a simplicidade da vida", diz a descrição de uma das comunidades, que reúne 26 mil pessoas.

As marcas já perceberam o potencial dessa tendência e estão investindo no chamado consumo nostálgico, estratégia de marketing que usa o saudosismo do consumidor para aumentar as vendas.

A Samsung, por exemplo, lançou um celular inspirado nos telefones flip flop, modelo que era comum entre os pais dos jovens da geração Z. A Nokia lançou uma versão moderna do modelo 3310, popular no começo dos anos 2000. O aparelho vinha com um jogo de cobrinha e tinha dimensões avantajadas, motivo pelo qual ficou conhecido como "tijolão".

Professor de pós-graduação em branding e marketing da ESPM, Marcos Bedendo diz que as empresas estão apostando mais na nostalgia porque ela faz parte da realidade do consumidor. "O marketing não consegue magicamente manipular as pessoas. Sempre que se aposta em algum movimento é porque ele está incutido na população de alguma maneira."

De acordo com o especialista, as empresas buscam estabelecer uma conexão nostálgica porque o ser humano idealiza o passado, já que situações ruins são minimizadas, enquanto as boas ganham mais espaço na memória. "O objetivo das marcas é trabalhar sensações positivas. Em geral, a nostalgia desperta lembranças boas, o que é favorável para as empresas."

Professora do instituto de psicologia da USP, a Universidade de São Paulo, Leila Salomão Tardivo diz que a memória de fato pode ser reconfortante e ajudar as pessoas a darem sentido à vida. "Só não pode fazer um uso depressivo do passado num saudosismo que nos impede de viver o presente."

A universitária Luma Machado, de 23 anos, considera que recorrer a tecnologia antiga é uma forma de resgatar a sua infância. "Era uma época muito mais fácil para mim", diz ela, que salvou do ostracismo uma câmera digital que estava esquecida na gaveta de casa. "Gosto de como as fotos saem. É uma estética nostálgica. Quando vejo fotos da minha época de criança, percebo que é o mesmo estilo."

Ela diz também que a câmera a ajuda a se conectar mais aos amigos. "Eles gostam, olham e, depois, pedem para tirar foto usando a máquina. É uma forma de socialização."

Quem não fica muito impressionado com o aparelho são os pais da universitária. "Acho que não entendem muito, não", diz ela. "Eles falam: ‘nossa, mas o celular tem muito mais opção e tira fotos melhores, por que usar essa câmera?’"

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