Hans Gunter Flieg, cronista da industrialização no Brasil, ganha exposição no IMS

Fotógrafo, conhecido por registros de ambientes fabris e produtos de consumo, faz cem anos e tem sua carreira revista

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Detalhe de fotografia de jogo de ferramentas Heinz, de 1965 Hans Gunter Flieg/Instituto Moreira Salles

São Paulo

Um transformador numa indústria de energia elétrica, uma instalação de refino de petróleo e um conjunto de ferramentas não são elementos aos quais associamos a ideia de desejo ou beleza. No entanto, o fotógrafo Hans Gunter Flieg tornou quase sedutores os ambientes e utensílios fabris que fotografou.

Alemão radicado no Brasil desde 1939, depois de fugir com a família da perseguição nazista contra os judeus em sua terra natal, Flieg documentou o braço paulista da euforia desenvolvimentista dos anos 1940 e 1950, quando a indústria ao redor de São Paulo estava a todo vapor para alimentar o consumo crescente. Estradas eram construídas para o transporte de cargas e passageiros e prédios subiam no centro da cidade propondo um morar em menos metros quadrados.

Equipamentos e Instalações Elétricas Industriais Brown Boveri, em Osasco, em 1961 - Hans Gunter Flieg/Instituto Moreira Salles

Sua extensa carreira de quatro décadas gerou um acervo de quase 60 mil fotos, 180 das quais estão agora expostas no Instituto Moreira Salles de São Paulo, o IMS, numa mostra que repassa os principais eixos do trabalho do fotógrafo, fotografias industriais e de produto, e homenageia seus cem anos, completados em julho.

Afora a revolução industrial tupiniquim, Flieg fotografou para agências de publicidade sapatos, cadeiras, garrafas de cristal e potes para guardar comida, enfim, toda sorte de produto que a propaganda torna desejável.

"Sedutor não era uma palavra que entrava no meu vocabulário", afirma o fotógrafo, por telefone, ao definir sua estética. "Minha intenção era dar o melhor tecnicamente e visualmente, de acordo com as exigências do cliente. Meu esforço era o mesmo para qualquer coisa."

Trabalhando por encomenda e indicação, Flieg dirigia suas fotografias de maneira meticulosa. No dia dos retratos de um ambiente de fábrica em Osasco, ele conta ter pedido aos funcionários que fossem barbeados e com roupas limpas. Seus registros de operários em ação, dos quais há diversos na mostra, parecem coreografados, de tão precisos.

Havia ainda uma produção de cenário, como na vez em que Flieg limpou do chão uma bituca de cigarro antes de fotografar os diretores desta mesma indústria em Osasco. No caso de uma fábrica de jipes, com o intuito de passar uma ideia de produtividade maior do que de fato ocorria, o fotógrafo dispôs diversos pneus no chão, ao lado da linha de montagem.

Sergio Burgi, um dos organizadores da exposição, afirma que Flieg fez parte da construção simbólica dos valores da sociedade da época, na medida em que seu trabalho girava em torno da criação do êxtase das coisas. Ou seja, ele estava inserido no contexto do progresso econômico do pós-guerra, o qual confirmava com suas imagens.

Mas suas fotografias não eram apenas documentos. De acordo com o organizador, Flieg fazia uma abordagem muito sofisticada dos ambientes industriais, e o rigor de suas imagens fez com que, com o decorrer dos anos, elas passassem a ser vistas pelos aspectos formais da linguagem fotográfica. Havia uma preocupação estética em seus registros, como por exemplo na busca da luz ideal para ressaltar o material do maquinário industrial.

A linguagem de Flieg era influenciada pela escola de fotógrafos da Nova Objetividade alemã dos anos 1920, voltada para o registro direto dos objetos industrializados e para a captura das instalações fabris. À esta estética, ele adicionava o conhecimento adquirido ao fotografar arte. Por exemplo, Flieg fez uma famosa imagem da "Unidade Tripartida", de Max Bill, obra vencedora do prêmio de melhor escultura na primeira edição da Bienal de São Paulo, em 1951. A foto está na exposição no IMS.

Construção do ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, por volta de 1955 - Hans Gunter Flieg/Instituto Moreira Salles

Por circular no meio artístico da época, se aproximou de figuras como Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi, os mentores do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, e assim fotografou as obras de construção do museu. Flieg conta também ter realizado, a pedido de Lina, fotomontagens das maquetes do Masp e do Sesc Pompeia, outro projeto da arquiteta. O conjunto de seu trabalho o situa também como um documentarista do crescimento da vida cultural paulistana.

Apesar de ter entrado para a história da fotografia brasileira por imagens relacionadas à urbe, isto não o impedia de apreciar outros universos visuais. "Tenho predileção pelas fotos do século 19, porque elas mostram mais natureza", ele diz.

Hans Gunter Flieg - Tudo o que É Sólido

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