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Celebrada na posse de Biden, Amanda Gorman se revela poeta ingênua

Jovem que declamou versos esperançosos na eleição do presidente democrata lança livros inebriados de patriotismo

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Thaís Regina

É repórter e ensaísta

SEREMOS CHAMADOS PELO QUE LEVAMOS

Avaliação: Ruim
  • Preço: R$ 69,90 (224 págs.); R$ 46,90 (ebook)
  • Autoria: Amanda Gorman
  • Editora: Intrínseca
  • Tradução: Stephanie Borges

O MONTE QUE ESCALAMOS

Avaliação: Regular
  • Preço: R$ 39,90 (32 págs.); R$ 26,90 (ebook)
  • Autoria: Amanda Gorman
  • Editora: Intrínseca
  • Tradução: Stephanie Borges

Aos 22 anos, Amanda Gorman sacudiu os Estados Unidos. Selecionada para declamar seu poema "O Monte que Escalamos" na posse do presidente Joe Biden em janeiro de 2021, ela encarnou a esperança de reconstrução democrática com a musicalidade de seus versos.

A poeta Amanda Gorman lê um poema durante a posse de Joe Biden, o 59° presidente dos Estados Unidos, em janeiro de 2021 - Patrick Semansky/AFP

Agora, dois livros dela chegam ao Brasil. O primeiro consiste no poema daquela cerimônia, as palavras que atravessaram as telas das televisões e celulares: um poema longo, inebriado pelo orgulho patriota do seu país.

Gorman não cobra, não demanda nada do futuro, se reserva apenas a celebrar a mudança de governo em um otimismo que beira a ingenuidade. No momento mais inspirado do poema, afirma que as nossas falhas serão o fardo da próxima geração.

O segundo livro, "Seremos Chamados pelo que Levamos", lançado no ano seguinte, se debruça sobre os anos Trump, especialmente a pandemia e o assassinato de Breonna Taylor e George Floyd.

Ao longo de mais de 200 páginas, fica evidente sua virtude como escritora de bons versos, mas os poemas logo se tornam repetitivos e esquecíveis. O livro é dividido em sete partes, mas as ideias-chave de cada uma se repetem tanto que é difícil entender o motivo dessa organização.

Ao fim, parece haver vários projetos de livros dentro de "Seremos Chamados pelo que Levamos", mas nenhum deles devidamente finalizado.

Um exemplo disso, talvez o mais interessante, é o eixo temático sobre a Covid em diálogo com outras epidemias. Gorman realiza um trabalho de pesquisa e intervenção poética em cartas de enfermeiras, soldados e trabalhadores de funerárias que datam de 1918, época da gripe espanhola.

Da Agência Indígena de Yamaka ao Arquivo Nacional, Gorman resgata esses documentos e os justapõe entre seus poemas, localizando o texto historicamente com uma indicação no rodapé. Justamente por vir sem aviso, a investida gera um profundo desconforto: o horror é estranhamente familiar e, ainda que com cem anos de diferença, a sobrevivência continua a cobrar caro.

Gorman intervém no material, quebra os textos em versos, deixa a nota de rodapé e segue para outra proposta em outra seção do livro —um balde de água fria no leitor. A sensação é que faltou tempo e caneta dedicados ao desconforto e à matéria subjetiva de quem sobreviveu à pandemia, além de um aproveitamento maior de sua pesquisa.

O trunfo do livro é a sexta parte, intitulada "Fúria e Fé", com poemas como "América" e "A Verdade em uma Nação", em que Gorman abre espaço para sua indignação, pela primeira vez sem ressalvas e dispensando uma romantização do pertencimento ao país. Nesse momento, as páginas sangram em poemas longos, especialidade da autora, em um estado de revolta com o racismo nos Estados Unidos.

Ainda que atravesse o livro, o racismo é pontuado em contraste com o amor patriota da autora. E, curiosamente, há poucos poemas em que Gorman examina esse amor, esse sentimento de construção, orgulho e pertencimento aos Estados Unidos, de forma que é difícil entender que fé é essa que freia a sua fúria.

No final do livro, há ainda a desastrosa e maçante inserção de uma espécie de jornada do herói, em que Gorman celebra a vitória de Biden, as vacinas, a retirada das tropas do Afeganistão. Para uma edição lançada em 2024, resta a amarga ironia do subsídio ao genocídio palestino em Gaza.

No geral, a falta de profundidade nas contradições e a extensão do livro ofuscam o que há de melhor em Gorman: a pesquisa sobre os efeitos da pandemia e a musicalidade dos seus poemas longos.

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