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Por que Fran Ross escreveu 'Oreo' para público que 'não existia'

Romance original de 1974 explora questões raciais por meio de uma protagonista negra que busca suas raízes judaicas

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Gabriel Trigueiro

Doutor em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Oreo

Avaliação:
  • Preço: R$ 89,90 (264 págs.); R$ 64,90 (ebook)
  • Autoria: Fran Ross
  • Editora: Todavia
  • Tradução: Heloísa Mourão

Mesmo que você seja um leitor atento, talvez o nome Fran Ross não lhe soe familiar. Ross foi uma autora negra americana com um domínio absoluto da escrita, aliado a um entendimento singular das relações raciais nos Estados Unidos.

Fran Ross escreveu 'Oreo' em 1974 - Divulgação

A expressão literária dessa sensibilidade podia ser tão sofisticada quanto hermética, o que provavelmente lhe custou a compreensão de um público mais amplo.

"Oreo", seu único livro, é um romance pós-modernista e feminista. É mais ou menos uma mistura engenhosa de Plutarco com blaxploitation. O ritmo é incrível, as cenas soam improvisadas, mas são construídas com rigor quase matemático. Como um crítico disse uma vez, é uma obra escrita para um público que, na época, "ainda não existia".

A personagem principal, Christine Clark (a própria Oreo), é filha de Helen Clark, uma mulher negra, e Samuel Schwartz, um homem judeu. Tal como o herói Teseu partiu para Atenas para conhecer seu pai Egeu, Oreo foi para Nova York em busca de Samuel, uma vez que ao se divorciar de sua mãe, ele também a abandonara.

Uma das marcas estilísticas de Ross são as inversões paródicas: não deixa de ser engraçado que a jornada de Oreo seja a busca por suas raízes judaicas, não de sua ancestralidade negra.

Há uma hora em que Christine esbarra com o Sr. Sammler, protagonista de "O Planeta do Sr. Sammler", o romance ganhador do National Book Award de 1971 e um livro racialmente controverso, do escritor judeu Saul Bellow.

Esse é o tipo de humor de "Oreo": livresco e debochado. A revista New York Review of Books uma vez o definiu como "uma conversa com um bibliófilo maluco, num sebo qualquer do Upper West Side da década de 1970".

"Oreo" foi publicado em 1974, quatro anos depois de "O Olho Mais Azul", o primeiro romance de Toni Morrison, e dois anos antes de "Roots", livro de Alex Haley que em 1977 foi adaptado como série televisiva e se tornou um fenômeno cultural.

O livro de Morrison é sobre uma menina negra às voltas com a opressão racial e "Roots" narra a trajetória de uma família negra, da África até os Estados Unidos, e o impacto da escravidão. "Roots" permaneceu na lista de best-sellers do New York Times por 46 semanas, enquanto "Oreo" nem sequer foi resenhado pelo jornal.

O livro foi lançado na época em que Morrison e outros autores buscavam dar dignidade literária à oralidade da cultura negra. Ross, no entanto, parodiava o vernáculo racial e o misturava com a norma culta, com o iídiche e piadas que eram ora sofisticadas e intrincadas, ora vulgares e quase adolescentes.

Ela publicou na época do Black Arts Movement, um movimento ao qual não se filiava e que defendia uma estética "tipicamente negra" —expressão ampla, mas paradoxalmente restritiva.

O texto de Ross é repleto de trocadilhos etimológicos e brincadeiras com radicais, afixos e desinências. Tem mais em comum com o russo Vladimir Nabokov do que com as autoras negras que lhe eram contemporâneas. "Oreo" faz lembrar pós-modernistas americanos como Thomas Pynchon, Don DeLillo e até, posteriormente, David Foster Wallace.

É uma saga nova-iorquina que afirma a ideia de raça como cosmopolita e circunstancial e jamais como algo absoluto ou estático. Ela se equilibra com graça numa gangorra de alta e baixa cultura e conta as aventuras de uma personagem brilhante, capaz de resolver tudo com astúcia, piadas e até uma ocasional porrada.

Ross não encontrou seu público em vida, mas talvez tenha chegado o momento de obter enfim um reconhecimento literário à altura. Antes tarde do que nunca.

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