Republicanos não brancos nos EUA relatam racismo, mas negam que ele exista

Nomes como Tim Scott e Nikki Haley se recusam a admitir peso de questões raciais, tema importante da eleição de 2024

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Jonathan Weisman Trip Gabriel
Charleston (EUA) | The New York Times

O senador Tim Scott, da Carolina do Sul, lançou sua pré-candidatura à Presidência dos EUA contando uma história sobre o amargo passado racista dos EUA. É uma história que ele conta com frequência sobre um avô que foi obrigado a largar a escola para colher algodão no sul do país, na era das leis Jim Crow.

Nikki Haley, rival dele para a candidatura presidencial republicana, fala do isolamento e solidão que sentia ao crescer no interior da Carolina do Sul, filha de imigrantes e parte da única família indiana na região.

Larry Elder, pré-candidato presidencial com poucas chances de conseguir a indicação, fala a plateias compostas apenas de brancos sobre seu pai, carregador de trens no Sul segregado, que costumava levar peixe enlatado e biscoitos salgados nos bolsos "porque nunca sabia se poderia conseguir uma refeição".

O senador Tim Scott, pré-candidato republicano à Presidência dos EUA, durante evento em North Charleston - Randall Hill - 22.mai.23/Reuters

Detalhes biográficos como esses são úteis para mostrar a distância que os candidatos republicanos não brancos tiveram que percorrer para alcançar o nível máximo da política nacional —uma candidatura à Presidência. Mas, ao usar histórias de discriminação para reforçar suas próprias biografias, que os mostram como pessoas que lutaram e venceram obstáculos sozinhas para chegar onde hoje estão, eles apresentam visões sobre a questão racial que às vezes parecem destoar de sua visão do país —frequentemente negando a existência do racismo ao mesmo tempo em que descrevem situações que soam exatamente como racismo.

"Eu sou a prova viva de que os EUA são uma terra de oportunidades, não uma terra de opressão", diz Scott em um novo anúncio de campanha que está no ar no Iowa, apesar de já ter falado publicamente sobre o analfabetismo forçado de seu avô e de sua própria experiência de ter sido parado pela polícia sete vezes em um ano "por estar conduzindo um carro novo".

Nikky Halley, pré-candidata republicana à Presidência dos EUA - Brian Snyder -24.mai.23/Reuters

As visões destoantes do papel exercido pela raça nos EUA são um tema importante da eleição de 2024, dando argumentos a batalhas culturais. Mas por trás da discussão sobre o racismo estrutural há um debate sobre o sentido das histórias que os políticos contam sobre eles mesmos.

Isso tem às vezes tornado a discussão racial nesta primária presidencial incômoda, mas também reveladora, e tem enfatizado uma diferença fundamental entre os dois partidos. Os pré-candidatos republicanos não brancos não enxergam seu passado no presente, apesar de os mais bem cotados na disputa pela indicação republicana, Donald Trump e Ron DeSantis, terem elevado ao centro da política conservadora seus apelos explícitos ou implícitos ao extravasamento do ressentimento de brancos.

"Conheço Nikki e Tim. Os dois são ótimos, mas o fato de não conseguirem dar aquele salto lógico é preocupante. O racismo estrutural é a questão, sim", diz comentarista político democrata Bakari Sellers, que foi deputado estadual na Carolina do Sul ao mesmo tempo que Scott e Haley. "O fato de eles relatarem suas experiências próprias mas fecharem os olhos para o quadro maior é perturbador."

Nos primeiros anos da Presidência de Obama, falava-se muito de uma sociedade pós-racial, em que a cor da pele de cada pessoa não afetaria sua estatura ou sucesso. Mais tarde, o aumento da violência supremacista branca, incluindo o massacre de fiéis negros numa igreja de Charleston em 2015, no segundo mandato de Obama, e o assassinato de George Floyd em 2020, jogaram por terra esse ideal.

"Isso é parte do problema de Scott e Haley afirmarem que não há racismo", diz a cientista política Andra Gillespie, autora de um livro sobre o simbolismo de Obama como presidente negro. "Em 2006 e 2007 teria sido possível argumentar que o racismo estava em queda. Mas isso é muito menos crível hoje."

Uma porta-voz de Haley, Chaney Denton, afirma: "Na experiência de Nikki Haley, os EUA não são um país racista, e ela tem orgulho de dizê-lo. É um fato, não uma estratégia." Denton diz que as únicas pessoas que parecem estar preocupadas com isso são os que querem usar questões raciais para gerar discórdia.

Em um evento patrocinado pelo site de jornalismo Axios na última quarta-feira (31), Scott foi pressionado a falar do racismo que sofreu. Ele respondeu prontamente, falando em ter sido parado por policiais mais de 20 vezes por "conduzir um carro sendo negro", algo que ele disse que "pesa muito sobre meus ombros".

"Você se vê numa posição de não ter feito nada de errado, mas ser considerado culpado antes de ter sua inocência presumida", disse Scott. E acrescentou: "O racismo está enraizado no coração dos indivíduos."

A minimização do racismo estrutural por candidatos não brancos se encaixa no movimento do Partido Republicano para frear a influência da "teoria crítica da raça" sobre o ensino da história americana e para tirar financiamentos de programas que promovem a diversidade racial em faculdades públicas.

Ron DeSantis recentemente sancionou uma lei que elimina as iniciativas de diversidade, equidade e inclusão no ensino superior. Em janeiro o Departamento de Educação da Flórida impediu as escolas de ensino médio de oferecer um curso avançado de estudos afro-americanos, parte do que o governador caracterizou como um esforço para combater a "doutrinação" pela esquerda.

Em outros lugares, governos locais e estaduais encabeçados por republicanos estão reescrevendo livros didáticos e tirando obras de bibliotecas públicas que contenham lições raciais do passado do país.

"De todas as ameaças, há esse ódio nacional que tomou conta de nosso país, em que as pessoas estão dizendo que os EUA são um país perverso, podre ou racista", disse Haley a uma plateia em Iowa no início do ano. "Eu fui a primeira governadora do país a fazer parte de uma minoria étnica. Estou dizendo a vocês que os EUA não são um país racista. Somos um país abençoado."

Muitos eleitores e funcionários locais republicanos concordam. "Não sou mais racista que qualquer democrata, mas eles gostam de nos rotular e nos acusar disso", disse Gloria Mazza, liderança republicana no condado de Poll, em Iowa, num evento de campanha de Tim Scott.

Mas as plateias negras, mesmo as republicanas, são muito menos receptivas. Essas dificuldades para o partido foram expostas recentemente diante de outro pré-candidato republicano não branco, o empreendedor e escritor Vivek Ramaswamy.

Vivek Ramaswamy, pré-candidato republicano à Presidência dos EUA, durante evento de campanha em Chicago - Scott Olson - 19.mai.23/Getty Images via AFP

Em 19 de maio, Ramaswamy chefiou uma reunião pública na zona sul de Chicago para discutir a crise de migrantes que divide a cidade. Ele frequentemente fala do isolamento que sentiu por ser filho de imigrantes indianos crescendo em um subúrbio de Cincinnati, mas diz que essa experiência não o converteu em vítima e sim o fortaleceu. Também ele tem feito da eliminação da ação afirmativa um dos elementos centrais de uma pré-candidatura que foca uma crítica da política identitária.

Mas eleitores negros deixaram claro que acreditam fortemente que questões estruturais passadas e presentes os estão impedindo de avançar. A discussão ficou alternando entre imigração e reparações para americanos negros, encarceramento em massa, falta de investimento em bairros negros e na promoção de armas potentes e facilmente acessíveis.

"Há todo o dinheiro do mundo disponível para nos encarcerar, mas nada para nos integrar à sociedade", disse Tyrone F. Muhammad, fundador de uma entidade para reintegração social de ex-detentos, olhando diretamente para Ramaswamy, investidor riquíssimo. Muhammad acrescentou: "Há bilionários e milionários demais neste país para ele ter a cara que tem."

Então Cornell Darden Jr., da Câmara Negra de Comércio e Indústria de Southland, se levantou para contestar Ramaswamy em relação à ação afirmativa. "Essas leis estão presentes há 70 anos, e vamos defendê-las", disse.

Depois de passar meses dizendo a plateias sobretudo brancas que a América não é um país racista, Ramaswamy reconheceu a existência de preconceito. "Penso que o racismo contra negros está em alta nos EUA hoje, sim", disse o pré-candidato. "Não quero jogar querosene em cima disso."

Tradução de Clara Allain

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