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SP-Arte Rotas Brasileiras quer bombar no Sudeste artistas do Brasil profundo

Feira se aproveita de movimento global que realoca artistas antes fora do cânone para o centro de grandes exposições

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São Paulo

Traços simplórios e coloridos revelam cenas desconcertantes, em que mulheres fazem sexo com tatus gigantes e cabeças humanas surgem de uma criatura meio pássaro, meio sapo. O desenho é do artista goiano Moacir, que tem o estande da galeria Cerrado dedicado à sua obra na SP-Arte Rotas Brasileiras.

Ele é um dos vários artistas que já têm prestígio em sua região, mas é desconhecido pelos colecionadores do Sudeste, o maior mercado financeiro do país. São esses nomes que estão no centro da feira, irmã mais nova da SP-Arte, que acontece desta quinta-feira (29) a domingo (1) na Arca, em São Paulo, com abertura para convidados já nesta quarta-feira (28).

Obra de Franz Weissmann, da AM Galeria - Divulgação

Novo não é sinônimo de jovem. Aos 70 anos, Moacir terá sua primeira mostra solo em São Paulo na feira, ainda que tenha começado a desenhar com pedra e carvão ainda quando jovem na Vila de São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, onde nasceu.

Na época, Moacir teve um "surto muito complexo e nunca tratado", conta Divino Sobral, diretor artístico da Cerrado, galeria de Goiânia que completou um ano em maio e o representa. Ficou anos sem ter contato com outras pessoas e, já adulto, trabalhou como garimpeiro. Os seres metamorfos que desenha e suas interações intensas com a natureza são fruto das visões do artista.

"Ele desenvolveu uma inteligência própria de composição, meio assombrosa, fantástica e repugnante", diz Sobral. "As imagens sertanejas de conexão entre o homem e a natureza são atualizadas com sua experiência mental e mística."

Em 2017, o artista teve uma tela exposta ao lado de uma obra de Pablo Picasso no Masp, o Museu de Arte de São Paulo, para a mostra "Histórias da Sexualidade". Ainda assim, seu trabalho continua fora do circuito comercial das artes visuais.

Segundo Fernanda Feitosa, criadora da SP-Arte e da Rotas Brasileiras, a feira que acontece em abril é mais competitiva. Cs colecionadores, preocupados em fechar negócio rápido, dão mais atenção às galerias que lideram o mercado. Nesta, o comprador dedica mais tempo a conhecer o que vem de outros estados. "Ele vai para procurar a novidade. Já na SP Arte, busca artistas consolidados."

Sobral diz que o momento para destacar o trabalho de Moacir é propício, diante da movimentação global que realoca artistas antes fora do cânone para o centro de grandes exposições, como aconteceu na Bienal de Veneza, em cartaz agora, e na de São Paulo, do ano passado. Essa também a proposta da SP-Arte Rotas Brasileiras.

Outras novidades são os artistas Thiago Martins de Melo, que recria com pinceladas expressivas batalhas míticas, rituais e epifanias fantasiosas, e Silvana Mendes, que reutiliza símbolos e fotografias de pessoas negras da época colonial para repensar seu lugar na história do Brasil.

Ambos são representados pela galeria Lima, de São Luis do Maranhão, e retornam à feira após seu sucesso na edição passada. Também recente no circuito, a Lima foi fundada pelo colecionador Marco Antonio Lima, frequentador das feiras do Sudeste.

Já a galeria Acervo, de Salvador, trará obras de Gustavo Moreno, que usa materiais descartados, como madeira, metal oxidado, vidro e cerâmica, para criar objetos que remetem a símbolos preciosos para a cultura popular e rituais religiosos.

A feira também tem artistas que não são representados por galerias. É o caso de Maya Quilolo, que estudou no Sertão Negro, uma espécie de escola de arte e comunidade mantida pelo artista Dalton Paula.

As galerias paulistanas tradicionais, por sua vez, deixam de lado suas obras de Emiliano Di Cavalcanti, Victor Brecheret e Candido Portinari para destacar artistas como José Tarcísio, representado pela Pinakotheke, ou Daiara Tukano e Gustavo Caboco, artistas indígenas da Millan.

Não é estranho que, depois de passar pela feira, alguns artistas migrem para galerias maiores, mirando uma projeção maior, como aconteceu com o baiano Alberto Pitta, hoje representado pela galeria Nara Roesler, uma das mais poderosas do Brasil.

O cardápio variado evidencia também o fim das barreiras entre galerias do mercado primário, aquelas que comercializam e representam artistas recém-descobertos, e as do secundário, que revendem obras de grandes mestres da arte. Casas como Dan, Simões de Assis e Gomide e Co., antes especializadas no mercado secundário, agora também lançam novos talentos.

A Gomide dedicará seu estande ao projeto "Rotas de Afeto", em que são apresentadas obras de Lenora de Barros em diálogo com os trabalhos de seu pai, Geraldo de Barros, celebre fotógrafo, artista gráfico e designer industrial. Criando objetos com raquetes de pingue-pongue e colagens fotográficas, Lenora parece acrescentar humor e leveza ao concretismo de seu antecessor.

Foi uma maneira de reivindicar São Paulo enquanto região brasileira e cosmopolita na feira, diz Thiago Gomide, diretor da galeria que leva seu sobrenome, e apresentar os mestres junto dos novos talentos. "Todos os projetos da feira têm uma relação com a regionalidade, e São Paulo é uma região do Brasil, uma região forte, pungente. E Lenora é uma artista urbana, que discute a cidade", diz.

Não será estranho ouvir inglês entre os estandes. Muitos curadores americanos e ingleses visitam a feira para saber o que há de novo no circuito artístico brasileiro. Apesar do interesse internacional não ser uma novidade e já se estender por décadas, agora existe uma apresentação da arte brasileira por uma perspectiva mais descentralizada, segundo Rodrigo Moura, diretor artístico da Rotas e curador-chefe do Museu del Barrio, em Nova York.

"Museus da Europa e dos Estados Unidos têm a possibilidade de ver uma arte brasileira que é mais diversa, mais descentralizada, mais múltipla, mais preocupada com as desigualdades raciais e sociais do Brasil e com a questão da amplitude geográfica", diz Moura, para quem esse interesse faz parte de um movimento global que destaca narrativas afrodiaspóricas.

"O circuito institucional e mercadológico muitas vezes não dá conta de abarcar a pluralidade da arte brasileira", afirma Sobral, que apresentará Moacir em São Paulo. "O que somos, para além do que a história oficial nos diz? O que está recluso no interior do país?"

Rotas Brasileiras

Avaliação:
  • Quando: De qui. (29) a sáb. (31), das 12h às 20h. Dom. (1) até às 19h
  • Onde: Arca - av. Manuel Bandeira, 360, São Paulo
  • Preço: R$ 80

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