Conto descreve vulto no lugar onde Antônio Conselheiro foi enterrado; leia
Escritor faz micronarrativa provocado por leitura de 'Os Sertões', de Euclides da Cunha
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
[SOBRE O TEXTO] O autor escreveu a micronarrativa inédita nesta página provocado por uma leitura de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha.
Quando o exército republicano marchou sobre os escombros de Canudos, num domingo de 1897, havia mais cadáveres despedaçados do que cacos de tijolos e entulho. Ninguém foi enterrado, nenhum nome escrito na pedra. Antônio Conselheiro estava morto, dentro de uma igreja em ruínas, cravejada de chumbo. Três soldados, por ordem do general, reverteram o enterro do corpo sem alma, arrancaram sua roupa e lhe cortaram a cabeça já sem vida. Essa foi a segunda morte do conselheiro monarquista.
“Quem não reagiu está vivo”, escreveu o general, em seu diário de campanha.
Getúlio —que tinha alergia de missa— mandou construir um açude, em 1940. E o sertão de Canudos —outrora profetizou Antônio—, virou outro mundo: água que só. Esse era o fim de tudo, talvez. Não fosse a insistência do sol, e da terra, de sede infinita, chupando tudo pra baixo, levando a água pra longe. Nada se apaga. Tudo retorna.
E vez por sempre uma ponta de igreja, uma lasquinha teimosa, ruinazinha rancorosa, emerge das águas. E vai assombrando seu Marcílio, com seus olhos esfumaçados, de pura catarata. Em noite sem lua, e de vento frio, ele diz escutar um vulto —meio encorpado, meio bexiguento—, pairando sobre as águas. Um tipo esquisito de santo —sem reino, sem língua—, endemoninhado. Dá pra escutar uma tosse, uma limpada de garganta —diz seu Marcílio. É a cabeça do conselheiro caçando o corpo.
Eu paro o ouvido. E espero.
Mas é só vento e friagem.
Marcos Vinícius Almeida, escritor e jornalista, é autor de “Paisagem Interior” (Penalux, 2017).
Ilustração de Pedro Ghion.
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters