​A adoção do ESG (ou ASG, sigla para as melhores práticas ambientais, sociais e de governança), tema cada vez mais relevante e decisivo no mercado financeiro, alcançou as criptomoedas e pode trazer mudanças significativas ao setor ao longo dos próximos anos, afirmam executivos e especialistas.

O movimento, que já vinha ganhando corpo entre as exchanges (plataformas que permitem a negociação de criptomoedas pro outros ativos) e investidores nos últimos anos, entrou novamente nos holofotes após o presidente da Tesla, Elon Musk, ter afirmado em suas redes sociais que a companhia poderá voltar a aceitar bitcoins caso o processo de mineração da criptomoeda seja mais “verde”.

“Quando houver a confirmação de uso razoável (de pelo menos 50%) de energia limpa por mineradores, com tendência positiva, a Tesla voltará a permitir transações de bitcoin”, publicou Musk em meados deste mês.

A postagem fez com que a criptomoeda chegasse a disparar mais de 10%, batendo em US$ 40,9 mil (R$ 206 mil) na segunda-feira (14).

“Os critérios ESG já são parte do processo de alocação de recursos e, cada vez mais, têm um papel representativo em todos os investimentos. São mais de US$ 30 trilhões [R$ 151 trilhões] em ativos sob gestão de fundos que definiram suas estratégias sustentáveis. E nesse grande universo de temas, surge a preocupação aos impactos ao meio ambiente que a mineração com foco no bitcoin pode ter”, afirma a analista de ESG da XP, Marcella Ungaretti.

Um levantamento feito pela CCAF (Cambridge Center of Alternative Finance) apontou que há uma estimativa de que o consumo de energia na mineração do bitcoin seja de aproximadamente 0,6% da produção global de eletricidade –mais do que o total de energia consumido anualmente pelas Filipinas ou pelos Países Baixos, por exemplo.

Ainda segundo esse levantamento, mais de 60% dos mineradores de bitcoin dependem de combustíveis fósseis para consumir energia –apenas 39% afirmam fazer uso de alguma energia renovável.

A mineração é o processo por meio do qual são colocadas no mercado novas unidades de bitcoins e criptomoedas. Para que novos ativos sejam encontrados é necessário resolver diversos problemas matemáticos complexos –ação feita por computadores de altíssima capacidade que, por sua vez, usam muita energia.

Segundo Guilherme Quintino Ribeiro, líder da Satoshi Tango no Brasil, o debate ambiental tem se aprofundado no setor de criptoativos também pela distribuição dos mineradores pelo mundo.

“A maioria das instalações de mineração está na China, onde mais de 50% da produção de energia é proveniente do carvão. Já aqui na América Latina, temos o caso do Paraguai, que é destino de mineração justamente por oferecerem energia barata pela [usina hidrelétrica binacional de] Itaipu”, diz.

“Conforme a evolução tecnológica vai sendo expandida, maior produção de energia acaba sendo necessária”, afirma Ribeiro.

Ainda segundo o estudo da CCAF, a hidrelétrica é a principal fonte de energia nas quatro regiões do mundo consideradas pelo levantamento –Ásia, Europa, América Latina e Caribe e América do Norte –, com mais de 60% em todas elas.

Em seguida vêm o gás natural, o carvão, o vento e, por último, a energia geotérmica (obtida a partir do calor presente no núcleo da terra).

O nível de adoção do ESG por parte da criptoeconomia, porém, diverge opiniões. Enquanto alguns defendem que o tema ainda é novo e precisa evoluir, outros afirmam que apesar de as preocupações ambientais trazidas pela mineração de bitcoins precisarem ser endereçadas, existem outras fontes poluentes e consumidoras de energia nos mais diversos setores que também carecem de atenção.

“É um assunto que precisa ser resolvido com prioridade para que se mantenha o mercado funcionando de maneira adequada. Nesse sentido, o lado da governança e do social, embutidos no ESG, também devem mudar e evoluir no setor. Mas, é claro, nada acontece da noite para o dia”, afirma o presidente da Brasil Bitcoin, Marco Vinícius Castellari.

Já para o diretor-executivo da ABCripto (Associação Brasileira de Critpoeconomia), Rodrigo Monteiro, o tema já está bastante aprofundado pelo setor.

“As discussões do ESG estão muito fortes e já temos adotado as melhores práticas há muito tempo”, diz Monteiro.

Segundo o executivo, por serem alvo de críticas e desconfiança, as exchanges do setor já estabelecem altos níveis de governança para definir responsabilidades e a melhor gestão.

“Isso sem contar os esforços em expandir o acesso a serviços financeiros mesmo nas regiões do mundo que sofrem com grandes desigualdades. Mesmo em relação ao lado ambiental, já existem muitas outras criptomoedas que não necessitam desse dispêndio de energia para serem mineradas. É exagerado dizer que a criptoeconomia é mais poluente do que outras indústrias”, afirma o diretor-executivo da ABCripto.

A expansão cada vez maior do ESG para as moedas digitais, por sua vez, é vista com bons olhos pelos executivos e especialistas do setor.

“É um caminho sem volta. Vale destacar que para qualquer um dos setores da economia que adotam o ESG, cada uma das letras tem um peso e relevância diferente entre eles. Por enquanto, o desafio do bitcoin ainda é encontrar uma forma mais renovável de mineração. Mas o mercado ainda tem muito espaço para crescer”, diz Ungaretti, da XP.