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Mulheres poderiam ocupar as vagas abertas de caminhoneiros nos EUA; homens não deixam

Transportadoras insistem que candidatas sejam treinadas por mulheres, que representam apenas 5% do setor

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Peter Eavis
The New York Times

A indústria de caminhões dos Estados Unidos tem reclamado há anos que há uma grave escassez de trabalhadores dispostos a dirigir veículos grandes. Mas algumas mulheres dizem que muitas transportadoras impossibilitaram que elas conseguissem esses empregos.

Essas empresas frequentemente se recusam a contratar caminhoneiras se não tiverem outras mulheres disponíveis para treiná-las. E, como menos de 5% dos motoristas de caminhão nos Estados Unidos são mulheres, há poucas instrutoras disponíveis.

As políticas de treinamento de mesmo sexo são comuns em todo o setor, dizem caminhoneiros e especialistas jurídicos —mesmo que um juiz federal tenha decidido em 2014 que era ilegal exigir que candidatas sejam pareadas apenas com instrutoras mulheres.

Ashli Streeter, que disse que a Stevens Transport não a contratou porque não tinha mulheres para treiná-la - Montinique Monroe/The New York Times

Ashli Streeter, de Killeen, no Texas, disse que havia pegado emprestado US$ 7.000 (cerca de R$ 35 mil) para aprender a dirigir caminhões e obter sua carteira de habilitação comercial, na esperança de conseguir um emprego que pagasse mais do que o seu atual.

Mas ela afirma que a Stevens Transport, uma empresa sediada em Dallas, disse-lhe que não poderia ser contratada porque não tinha mulheres para treiná-la. Outras empresas de transporte a rejeitaram pelo mesmo motivo.

"Eu tirei a licença e claramente sabia dirigir", disse Streeter. "Foi desanimador."

Streeter e outras duas mulheres apresentaram uma queixa contra a Stevens Transport na Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego (EEOC, na sigla em inglês) nesta quinta-feira (5), alegando que a política de treinamento de mesmo sexo da empresa negou injustamente a elas empregos de motorista.

A comissão investiga alegações feitas contra empregadores e, se determinar que ocorreu uma violação, pode mover seu próprio processo judicial. A comissão havia movido o processo que resultou na decisão do tribunal federal de 2014 contra políticas semelhantes em outra empresa de transporte, a Prime.

Bruce Dean, advogado geral da Stevens, nega as alegações na ação. "A premissa fundamental na acusação —de que a Stevens Transport só permite que instrutoras mulheres treinem aprendizes mulheres— é falsa", disse ele em um comunicado, acrescentando que a empresa "tem um programa de treinamento no qual tanto homens quanto mulheres treinam aprendizes mulheres, há décadas".

Empresas que insistem em usar mulheres para treinar candidatas geralmente o fazem porque desejam evitar acusações de assédio sexual. Os instrutores geralmente passam semanas sozinhos com os aprendizes na estrada, e muitas vezes têm que dormir na mesma cabine.

Críticos do setor dizem que a persistência do treinamento do mesmo sexo quase uma década após essa decisão —que não estabeleceu precedente legal nacional— é evidência de que as empresas de transporte não fizeram o suficiente para contratar mulheres que poderiam ajudar a resolver a escassez de mão de obra.

"É frustrante ver que não evoluímos nada", diz Desiree Wood, caminhoneira que é presidente e fundadora da Real Women in Trucking, uma organização sem fins lucrativos.

O grupo de Wood está se juntando às três mulheres em sua queixa na EEOC contra a Stevens, que foi apresentada por Peter Romer-Friedman, um advogado trabalhista em Washington, e o Centro Nacional de Direito das Mulheres.

Críticos do treinamento para o mesmo sexo reconhecem que o assédio sexual é um problema, mas dizem que as empresas de transporte devem abordá-lo com melhor seleção e programas antiassédio.

Os empregadores poderiam reduzir o risco de assédio pagando para que as aprendizes durmam em um quarto de hotel, o que algumas empresas já fazem.

Desiree Wood, presidente da Real Women in Trucking - Mikayla Whitmore/The New York Times

As mulheres representaram 4,8% de 1,37 milhão de motoristas de caminhão nos Estados Unidos em 2021, de acordo com as estatísticas mais recentes, um aumento de 4% em relação à década anterior.

Dirigir caminhões por longas distâncias pode ser um trabalho exigente. Os motoristas ficam longe de casa por dias. No entanto, algumas mulheres dizem que são atraídas porque podem receber cerca de US$ 50 mil por ano (R$ 258 mil), com motoristas experientes ganhando muito mais. A carreira geralmente paga mais do que muitos outros empregos que não exigem diploma universitário, incluindo aqueles em lojas de varejo, armazéns ou centros de cuidados infantis.

A lei de infraestrutura de 2021 exigiu que a Administração Federal de Segurança de Transportadores Motorizados estabelecesse um conselho consultivo para apoiar mulheres que buscam carreiras no setor e identificar práticas que as excluem da profissão.

Streeter, mãe de três filhos, disse que se candidatou para a vaga na Stevens porque a empresa contratava pessoas diretamente da autoescola. Ela disse aos representantes da transportadora que estava disposta a ser treinada por um homem, mas não teve sucesso.

Alguns especialistas jurídicos disseram que, embora o treinamento para pessoas do mesmo sexo tenha sido considerado ilegal apenas em um tribunal federal, as empresas de transporte teriam dificuldade em defender a prática perante outros juízes.

De acordo com a lei federal de discriminação no emprego, os empregadores podem buscar isenções legais especiais para tratar as mulheres de forma diferente dos homens, mas os tribunais raramente as concedem.

Kim Howard, uma das outras mulheres que apresentaram a queixa na EEOC contra Stevens, disse que foi atraída para a condução de caminhões pela perspectiva de um salário estável depois de trabalhar por décadas como atriz em Nova York.

"Foi um golpe muito grande", disse ela sobre ter sido rejeitada por causa da política de treinamento. "Sinceramente, não sei como consegui passar financeiramente por isso."

Howard, que agora trabalha em outra empresa de transporte, disse que trabalhou brevemente em uma outra onde foi treinada por dois homens que a trataram bem. "É bastante possível uma mulher ser treinada por um homem e um homem ser profissional sobre o que é o trabalho", disse.

Outras motoristas disseram ter sido maltratadas por instrutores que podiam ser implacavelmente desdenhosos e, às vezes, se recusavam a ensinar habilidades importantes, como dar marcha a ré com um caminhão com um grande reboque acoplado.

Rowan Kannard, uma caminhoneira de Wisconsin que não está envolvida na queixa contra Stevens, disse que um instrutor passou pouco tempo treinando-a em uma viagem para a Califórnia em 2019.

Em uma parada de caminhões onde ela se sentiu insegura, Kannard disse que o instrutor exigiu que ela saísse da cabine —e depois a trancou do lado de fora. Ela pediu para interromper o treinamento e foi levada de avião de volta para Wisconsin. Mesmo assim, ela disse que não acredita que o treinamento para pessoas do mesmo sexo seja necessário. "Alguns desses homens que estão treinando provavelmente deveriam passar por um curso."

Wood, da Real Women in Trucking, disse que as políticas de treinamento das empresas de transporte de caminhão estavam equivocadas por outro motivo: não há garantia de que uma instrutra tratará outra mulher melhor do que um instrutor. Ela disse que uma instrutora já a insultou com comentários racistas e a mandou dirigir de forma perigosa.

"Sou mexicana; ela odiava mexicanos e queria me contar tudo sobre isso o tempo todo que eu estava no caminhão", disse Wood. "Ela gritava comigo para acelerar em áreas onde não era seguro." Ainda assim, algumas mulheres apoiam políticas de treinamento para pessoas do mesmo sexo.

Ellen Voie, fundadora da organização sem fins lucrativos Women in Trucking, disse que a condução de caminhões deveria ser tratada de forma diferente de outras profissões porque instrutores e aprendizes passam muito tempo juntos em espaços próximos.

"Não conheço nenhum outro meio de transporte que confine homens e mulheres em uma área que tenha dormitórios", disse Voie.

Advogados da Prime, a empresa que perdeu o processo da EEOC em 2014 contestando sua política de treinamento entre pessoas do mesmo sexo, chamaram Voie como testemunha especialista para defender a prática.

Em seu depoimento, ela argumentou que as mulheres que foram preteridas por empresas que não tinham instrutoras femininas disponíveis poderiam ter encontrado trabalho em outras empresas de transporte. Ela ainda acredita nisso.

Mas Voie acrescentou que as transportadoras também precisavam fazer mais para melhorar o treinamento para mulheres, incluindo a instalação de câmeras nas cabines para monitorar comportamentos inadequados e o pagamento de quartos de hotel para que instrutores e aprendizes possam dormir separadamente.

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