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Declaração de Elon Musk reacende debate sobre lítio na Bolívia

Evo usou frase do empresário para acusar EUA de terem dado um golpe contra seu governo

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Brasilândia (MS)

Um tuíte recente do bilionário americano Elon Musk sobre a Bolívia desatou uma onda de teorias da conspiração sobre a participação dos EUA na queda do ex-presidente Evo Morales para controlar os maiores depósitos de lítio do mundo, ainda inexplorados.

“Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso”, escreveu o excêntrico fundador da fabricante de carros elétricos Tesla, em 25 de julho, ao responder a um post acusando Washington de ter deposto Evo para se apropriar das reservas de lítio, concentradas no salar de Uyuni.

Minérios de espodumênio (de onde se obtém o lítio) colhidos no projeto piloto da empresa Sigma, no vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais - Eduardo Knapp/Folhapress

A frase, aparentemente irônica, foi citada por Evo para comprovar um suposto golpe de Estado contra ele e teve ampla repercussão em sites de esquerda.

A Bolívia detém 29% dos depósitos mundiais de lítio, segundo o Serviço Geológico dos EUA (USGS, na sigla em inglês), mas está longe de explorar suas jazidas em escala comercial.

Os vizinhos Argentina e Chile aparecem em segundo e terceiro lugares em reservas, respectivamente, têm produção em larga escala e disputam o mercado mundial com China e Austrália.

A maior parte do lítio é usada na produção de baterias de carros elétricos e celulares. O consumo do mineral cresceu 18% no ano passado, mas esse aumento ficou abaixo do esperado por causa da redução do subsídio chinês para automóveis elétricos, segundo relatório do USGS.

O lítio tem sido um dos temas mais controvertidos dos últimos anos na Bolívia. Traumatizado com o passado, o país não quer repetir os ciclos de prata e de estanho, cuja exportação enriqueceu poucos, sem deixar um legado econômico.

Além disso, o lítio é visto como possível substituto econômico do gás natural exportado para o Brasil e para a Argentina. Nacionalizado sob Evo, o hidrocarboneto foi o principal combustível para o bom crescimento dos últimos anos.

Durante a gestão do líder indígena, a Bolívia resistiu por anos à entrada do capital estrangeiro para explorar o lítio e tentou, sem sucesso, industrializar o mineral em vez de exportá-lo como matéria-prima. Seu governo chegou a comprar uma fábrica de baterias da China, mas a empresa estatal nunca foi adiante.

Finalmente, no ano passado, Evo assinou um acordo com a empresa privada alemã Acisa para produzir até 40 mil toneladas de lítio por ano a partir de 2022, por 70 anos. Em troca, a empresa industrializaria parte do mineral na Bolívia.

O acordo gerou uma onda de violentos protestos no departamento de Potosí, onde fica a jazida. Fragilizado pelas acusações de fraude eleitoral, Evo cancelou a parceria com a Acisa pouco antes de renunciar e de partir para o exílio.

Em meio à instabilidade política provocada pela saída de Evo e pelo adiamento da eleição presidencial em decorrência da Covid-19, o modelo de exploração do lítio continua indefinido.

Especialista no mineral, o economista Juan Carlos Zuleta afirma que o acordo era desfavorável à Bolívia por ceder cerca de metade dos recursos mais ricos do lítio do salar de Uyuni para a sua comercialização por sete décadas com exclusividade no mercado europeu a uma empresa alemã e por renunciar ao controle da cadeia produtiva do lítio.

“Aqui não houve nada parecido a um golpe de Estado pelo lítio e muito menos uma intervenção dos EUA no assunto”, escreveu Zuleta, sobre a polêmica gerada por Musk.

Ex-assessor da Acisa na Bolívia, Carlos Delius defende o acordo. À Folha ele disse que haveria duas fases. Na primeira, 51% da produção do hidróxido de lítio ficariam com o Estado boliviano, e 49%, com a empresa alemã. Na segunda etapa, haveria uma fábrica de material catódico (usado em baterias recarregáveis).

“A primeira etapa teria um valor de exportação de US$ 400 milhões, e a segunda, de US$ 900 milhões, por ser já uma etapa de industrialização superior. Os alemães fariam a gestão tecnológica, financiamento e mercados”, afirma.

Ex-presidente da Câmara Boliviana de Hidrocarbonetos e Energia, Delius avalia que dificilmente o lítio terá a importância econômica do gás natural, cada vez mais escasso no país.

“Apenas com carbonato ou hidróxido de lítio, é pouco provável substituir o mercado de gás para o Brasil. Se usarmos o valor de 2018, US$ 1,62 bilhão, a Bolívia teria de ter produzido 162 mil toneladas, o equivalente a dez vezes o que produziu o Chile naquele ano. Em resumo, a Bolívia ainda não produz lítio em quantidades relevantes, e será muito difícil substituir o gás vendido para o Brasil”, afirmou.​

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