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Onde estão mercenários do Grupo Wagner um ano após morte do líder do grupo

A BBC ouviu um ex-combatente e fontes próximas da milícia sobre o que aconteceu desde a morte de Ievguêni Prigojin

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Ilya Barabanov Anastasia Lotareva
BBC Rússia

Um ano após a morte do líder do grupo mercenário Wagner, Ievguêni Prigojin, ainda não está totalmente claro o que aconteceu com seu império de combatentes e contratos na Ucrânia, na Síria e em partes da África.

A BBC Rússia, serviço de notícias em russo da BBC, conversou com ex-combatentes e outras pessoas próximas ao grupo sobre o que aconteceu após o breve motim contra Moscou e a morte repentina de Prigojin em um acidente aéreo em agosto de 2023.

Simpatizantes do Wagner visitaram o túmulo do ex-líder do grupo, Ievguêni Prigojin, em São Petersburgo, quando uma estátua dele foi inaugurada em junho - Getty Images

Em setembro de 2023, um jovem corpulento de olhos azuis estava no balcão de check-in do aeroporto internacional de Istambul, na Turquia. De keffiyeh —tradicional lenço árabe— e capuz, ele tentava chegar à Líbia, e depois a outro país africano, em busca de um novo emprego. Ele havia sido combatente do sombrio, mas extenso grupo mercenário Wagner, criado e liderado por Ievguêni Prigojin.

O grupo controlava empresas e projetos no valor de bilhões de dólares, operava na Síria, no Mali, na República Centro-Africana, no Sudão e na Líbia, e seus combatentes foram fundamentais para a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Em janeiro daquele ano, o Ministério da Defesa do Reino Unido estimou que havia até 50 mil mercenários do Wagner na Ucrânia.

Mas cerca de 20 mil —muitos deles ex-presidiários— morreram na batalha para tomar a pequena cidade de Bakhmut, de acordo com uma lista obtida pela BBC Rússia. Prigojin retirou os combatentes restantes em maio de 2023, culpando o Ministério da Defesa da Rússia —com palavrões— pela escassez de munição. O homem de keffiyeh, no entanto, escapou ileso.

Milhares de combatentes do Grupo Wagner participaram da batalha pela cidade ucraniana de Bakhmut, na Ucrânia - 20.maio.23/Concord/Reuters

No mês seguinte, ele recebeu uma mensagem pelo aplicativo Telegram convocando-o a participar da "Marcha pela Justiça". Ele estava entre os combatentes do Wagner quando o grupo chocou o mundo ao lançar um motim contra o presidente russo, Vladimir Putin, tomando a cidade de Rostov-no-Don, no sul da Rússia. Mas a última vez que ele viu Prigojin foi quando o líder do grupo entrou em um carro, posou para selfies e deixou a cidade.

As ameaças iniciais do Grupo Wagner de marchar até Moscou foram suspensas. Foi fechado um acordo segundo o qual Putin disse que os combatentes do Wagner poderiam se juntar ao Exército russo ou ir para Belarus com Prigojin. Foi neste momento que, segundo o homem de keffiyeh, ele pensou pela primeira vez que sua carreira no Grupo Wagner havia chegado ao fim.

"Quando os acordos começaram a ser fechados, e havia toda aquela indecisão, com alguns indo para a Belarus, outros para outros lugares, decidi que já tinha dado para mim", contou.

Prigojin foi fotografado ao deixar Rostov-no-Don, na Rússia, no mesmo dia em que seus combatentes haviam tomado a cidade - 24.jun.23/Getty Images

Dois meses depois, em 23 de agosto de 2023, um jatinho particular que transportava Prigojin caiu ao norte de Moscou, matando o líder do grupo e vários outros membros do Wagner. O Kremlin rejeitou os rumores de ato criminoso, mas muitos —inclusive o ex-combatente— não ficaram convencidos. "Quando mataram O Cara [Prigojin], não sobrou nada para mim na Rússia", afirmou.

E enquanto ele avaliava suas opções, teve início um processo no qual os ativos e as operações do Grupo Wagner no mundo todo ficaram cada vez mais sob o controle do governo e dos militares russos. O homem de keffiyeh tinha um passaporte válido, algumas economias e experiência de combate. Ele decidiu voar para a Síria, onde já havia lutado no passado.

Duas fontes disseram à BBC Rússia que foram oferecidos contratos com o Exército russo aos mercenários na Síria. A escolha era entre o Ministério da Defesa ou dar o fora, contou o ex-combatente, disparando impropérios.

Ele não quis assinar e ficou inativo por quase dois meses, mas ainda assim recebeu seu pagamento —em dinheiro. Ninguém se opôs quando ele decidiu procurar trabalho na África.

Pouco antes de morrer, Prigojin disse em um vídeo, gravado em local não identificado, que o grupo Wagner estava deixando a África 'mais livre' - ago.23/Conta do Grupo Wagner no Telegram/Getty

Na mesma época, o vice-ministro da Defesa da Rússia, Iunus-Bek Ievkurov, também estava a caminho do norte da África. Acompanhado por altos funcionários do serviço de inteligência militar da Rússia, o GRU, ele visitou países onde o Wagner havia atuado —Líbia, Burkina Fasso, República Centro-Africana e Mali e, em uma viagem posterior, Níger.

De acordo com um relatório do think tank Royal United Services Institute (RUSI), com sede no Reino Unido, ele transmitiu a mensagem de que "os compromissos anteriores [assumidos pelo Wagner] seriam honrados", mas que as negociações agora seriam feitas "diretamente com o Ministério da Defesa da Rússia".

O instituto afirma que algumas das antigas forças do Wagner na África estão agora oferecendo apoio militar a regimes, inclusive contra insurgentes islâmicos e outros, em troca de acesso a recursos naturais estrategicamente importantes.

Mali, Níger e Burkina Fasso passaram por golpes militares nos últimos anos —e estão rejeitando os vínculos de longa data com a França e se aproximando da Rússia. Enquanto isso, segundo o relatório, a Rússia está interessada em minerais como lítio, ouro e urânio. Os anúncios de recrutamento para o "Corpo Africano" do Ministério da Defesa da Rússia começaram a aparecer no fim de 2023.

Vice-ministro da Defesa da Rússia, Iunus-Bek Ievkurov, de uniforme militar, em Moscou - 24.jan.24/Getty Images

Mais tarde, o homem de keffiyeh nos contou que havia chegado ao país africano que tinha em mente. Ele disse que via o trabalho mercenário como um emprego como outro qualquer —e simplesmente achava que suas perspectivas seriam melhores na África do que na Ucrânia ou na Belarus.

De acordo com ele, a maioria de seus ex-colegas havia sido absorvida pelo Ministério da Defesa russo, e passado a servir em unidades recém-formadas. Mas uma fonte anteriormente associada a Ievguêni Prigojin sugeriu, em comentários feitos à BBC, que seu filho, Pavel, mantém alguma influência.

"Moscou deu sinal verde ao sucessor para continuar o trabalho do pai na África, desde que não entre em conflito com os interesses da Rússia", afirmou a fonte.

Inicialmente, especulou-se que Pavel, que está com 20 e tantos anos, estava dirigindo o Wagner PMC (sigla em inglês para "empresa militar privada") sob a égide da Guarda Nacional, a Rosgvardia, não do Ministério da Defesa. O relatório do RUSI afirma que isso resultou em uma "guerra de lances por comandantes entre a GRU e a Rosgvardia".

O Ministério da Defesa do Reino Unido afirmou, em fevereiro, que três destacamentos de assalto do Wagner foram de fato incorporados à Rosgvardia —e que era provável que fossem enviados à Ucrânia e à África. Mas não houve nenhuma declaração oficial sobre o papel de Pavel —e ele não respondeu ao pedido de comentário feito pela BBC.

Manifestantes que pediam a saída do Exército francês do Níger foram vistos agitando uma bandeira do Grupo Wagner em setembro de 2023 - Getty Images

Há poucas informações oficiais sobre o que aconteceu com os combatentes do Wagner —e quem os está empregando agora, embora o canal oficial do grupo no Telegram ainda publique anúncios de recrutamento para missões em locais distantes não especificados.

Para a Rússia, perseguir seus objetivos internacionais por meio do Grupo Wagner permitiu ao país contornar sanções e ter a opção de negar envolvimento. Mas alguns ex-combatentes do Wagner continuam desconfiados ou se opõem ao Ministério da Defesa russo.

Por isso, existe um apelo para ambos os lados em rotas para reintegração que são indiretas ou não totalmente transparentes. Após a invasão da Ucrânia, a inteligência militar russa construiu uma rede de grupos mercenários inspirados no Wagner e coletivamente chamados de Redut.

Uma investigação da imprensa realizada pela Radio Free Europe, em outubro do ano passado, identificou mais de 20 unidades diferentes recrutando sob a bandeira da PMC Redut. E concluiu que a Redut é uma "empresa militar privada falsa", administrada pela agência de inteligência militar russa, a GRU.

A BBC não conseguiu encontrar a Redut no registro oficial de empresas, e várias fontes nos disseram que ela é afiliada à GRU e ao Ministério da Defesa. A Redut e o Kremlin não responderam às perguntas feitas pela BBC sobre o assunto.

Tanque passando no meio de uma rua, com pessoas aglomeradas em ambos os lados da calçada, em Rostov-on-Don, na região sul da Rússia - 24.jun.23/Getty Images

A BBC conversou com ex-combatentes do Wagner que se juntaram a uma unidade chamada Medvedi (que significa ursos) —ou 81ª Brigada de Operações Especiais.

De acordo com um pesquisador de inteligência de código aberto e especialista em segurança da África Ocidental, conhecido como Nomade Sahélien, eles estão "fortemente associados" à Redut e, embora "se considerem uma brigada de operações especiais", "são mais como uma empresa militar privada".

Em agosto de 2023, páginas pró-militares na rede social russa VKontakte apresentavam vários anúncios de recrutamento para a Medvedi. "Precisamos de pilotos, técnicos, mecânicos de AN-2 [bimotores], MI-8 [helicópteros] e MI-24 [helicópteros de combate]", dizia um anúncio padrão.

"Remuneração decente a partir de 220 mil rublos [cerca de R$ 13 mil] por mês, além de benefícios. Contrato de seis meses. Idade de 22 a 50 anos. Venha para a Crimeia, Simferopol. Fornecemos roupa e treinamento."

Embora os anúncios digam aos recrutas para se dirigirem à Crimeia, Nomade Sahélien diz que o grupo também estabeleceu uma sede em Ouagadougou, capital de Burkina Fasso, e tem oferecido aos mercenários missões de três meses com salários mensais que variam entre US$ 2.500 mil e US$ 4.000 (de R$ 13 mil a R$ 22 mil).

Destroços da queda do avião perto do vilarejo de Kujenkino, na região de Tver.; o Kremlin negou as acusações de ato criminoso - 24.ago.23/Getty Images

Com base em conversas com ex-combatentes do Wagner, a BBC entende que muitos decidiram ficar na África, incluindo em Burkina Fasso. Outro destino possível para os ex-combatentes do Wagner é a Chechênia, uma república do sul da Rússia. Em abril, o líder tchetcheno, Ramzan Kadyrov, disse que 3.000 deles se juntariam ao grupo de forças especiais Akhmat da república, segundo a agência de notícias estatal russa Tass.

Figura de destaque no Wagner, Alexander Kuznetsov, conhecido pelo codinome Ratibor, apareceu em um vídeo ao lado de Kadirov, dizendo a seus antigos camaradas: "Vai ser tudo como no Wagner, idêntico. Sem burocracia nem nada. Nossa forma de fazer negócios continua a mesma, nada muda."

A BBC não conseguiu confirmar quantos dos 3.000 chegaram.

No que diz respeito à oferta original feita aos mercenários do Wagner para se dirigirem à Belarus, menos de 100 estão lá agora, treinando as forças do presidente do país, Alexandrr Lukachenko, de acordo com o Belaruski Hajun, um projeto de pesquisa de código aberto que monitora a atividade militar no país.

A filha de um mercenário do Wagner participou de uma cerimônia, em Moscou, em homenagem aos combatentes mortos no Mali em julho - Reuters

Em 28 de julho, a presença de ex-combatentes do Wagner no Mali chegou às manchetes dos jornais, com a notícia de uma emboscada a mercenários russos e soldados malineses por rebeldes separatistas tuaregues e combatentes islâmicos.

O canal oficial do Telegram do Wagner PMC postou uma declaração rara e detalhada, dizendo que alguns de seus combatentes, incluindo um comandante, haviam sido mortos, mas sem fornecer números. Os canais pró-militares russos do Telegram publicaram que várias dezenas de ex-combatentes do Wagner estavam mortos, o que fazia desta a maior perda de vidas do grupo na África.

Supõe-se que os mercenários faziam parte do Corpo Africano, mas nem o Corpo Africano nem o Ministério da Defesa russo fizeram qualquer comentário oficial.

O homem de keffiyeh não respondeu às nossas mensagens desde então. Uma vela em memória apareceu no perfil de rede social da mãe dele.

Este texto foi originalmente publicado aqui.

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