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Entenda como mercenários russos do Grupo Wagner atuam no Sudão

Mercenários extraem ouro e são acusados de apoiar força paramilitar no país africano

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Philip Obaji Jr.
DW

"Os russos compram quase tudo", afirmou ao jornal alemão DW (Deutsche Welle) Omar Sheriff, trabalhador de uma mina em Al-Ibaidiya, no norte do Sudão, pouco antes do inicio do conflito entre as Forças Armadas sudanesas e o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR), que matou, ao menos, 500 pessoas.

Sheriff é um entre dezenas de mineiros artesanais que trabalha sob um calor escaldante para extrair ouro das pedras do deserto em Al-Ibaidiya, uma cidade às margens do rio Nilo, cerca de 400 quilômetros ao norte da capital, Cartum.

Russos do Grupo Wagner em operação paramilitar no Sudão
Russos do Grupo Wagner em operação paramilitar no Sudão - French Army/AP/Picture Aliance

Eles separam o ouro da rocha por meio de processos químicos que empregam substâncias tóxicas, como a lixiviação de cianeto e mercúrio, que pode fazer mal aos trabalhadores e ao meio ambiente.

A maior parte desse ouro vai para uma unidade de processamento a 16 quilômetros de distância, cujo proprietário é Ievgeni Prigozhin, fundador do grupo paramilitar Wagner e amigo próximo do presidente russo, Vladimir Putin.

"Os russos pagam até 4 mil dólares [pouco mais de R$ 20 mil] por um carregamento de ouro", diz Sheriff. "Eles ficam desesperados para comprar tudo."

O Grupo Wagner marcou presença no Sudão pela primeira vez em 2017, a convite do então presidente, Omar al-Bashir, após um encontro do ditador sudanês com Putin em Moscou.

A organização militar privada russa criou então a Meroe Gold –uma empresa controlada por Prigozhin e que mais tarde se tornaria alvo de sanções dos Estados Unidos– para administrar suas operações no país africano. Pouco depois, o grupo russo começou a explorar o ouro sudanês.

Em meio aos negócios no país, o grupo Wagner iniciou um relacionamento com o general Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, que lidera as FAR. Segundo relatos de pessoas em Al-Ibaidiya, membros do grupo paramilitar sudanês fornecem proteção a comerciantes russos que compram ouro dos mineiros locais. A usina russa de processamento seria protegida por vários membros das FAR que trabalham junto a funcionários de segurança russos –supostamente membros do Grupo Wagner.

"Há mais de quatro anos vemos soldados das FAR trabalhando em cooperação com os russos", afirmou à DW Mustafa El Tahir, que trabalha na extração de ouro em Al-Ibaidiya desde 2018. "Onde quer que os russos estejam, as FAR estão com eles."

O Grupo Wagner manteve seu relacionamento com Hemedti após o golpe de Estado que resultou na queda de Bashir em 2019 e abriu caminho para um governo civil de transição. Essa proximidade parece ter exercido um papel significativo na derrubada dos civis do poder, dois anos depois. Após o golpe, supostamente apoiado pela Rússia, o general Abdel Fattah Burhan se tornou o líder militar do país, tendo Hemedti como seu vice.

Desde a volta dos militares ao poder, a colaboração entre o Grupo Wagner e Hemedti se intensificou. Em fevereiro de 2022, enquanto a Rússia dava início à invasão da Ucrânia, o general viajou a Moscou para dar apoio os planos russos de estabelecer uma base militar no Mar Vermelho, algo que havia sido rejeitado por Burhan.

Nessa viagem à Rússia, o avião utilizado por Hemedti também teria transportado barras de ouro, segundo o jornal americano The New York Times, citando autoridades ocidentais. Nas conversas em Moscou, o paramilitar sudanês teria pedido ajuda às autoridades russas para adquirir equipamentos militares.

Em 2021, até 32,7 toneladas de ouro sudanês, avaliadas em 1,9 bilhão de dólares, haviam desaparecido, segundo uma reportagem da emissora americana CNN, que diz ter encontrado provas de que a Rússia colaborou com a junta militar do Sudão para assegurar que bilhões de dólares em ouro fossem desviados do Tesouro do país em troca de apoio político e militar do Kremlin.

"Durante todo o tempo, esse esquema corrupto envolvendo o Grupo Wagner e o governo militar era supervisionado por Hemedti", afirmou o ativista sudanês de direitos humanos Ahmed Abdallah, que vive exilado na Alemanha. "Sempre me pareceu que ambos [Hemedti e Burhan] não estavam de acordo no que diz respeito a como fazer negócios com o grupo."

Na semana passada, a CNN apontou que o grupo de "All Eyes on Wagner" (Todos os olhos sobre o Wagner) analisou imagens de satélite que pareciam mostrar um avião de transportes russo realizando um trajeto entre duas bases na Líbia controladas por Khalifa Hifter, líder do Exército Nacional líbio, apoiado pelo Grupo Wagner.

Segundo a reportagem, o aumento das atividades do grupo russo nas bases aéreas líbias sugere um plano de Hifter e Moscou para apoiar as FAR, mesmo antes de o atual conflito começar.

"Por trás das investidas de Hemedti pode estar o Grupo Wagner, cujos membros foram presos e acusados de traficar ouro pelo regime de Burhan antes do início dos confrontos", afirmou à DW o advogado sudanês Yaser Abdulrehman. "Eles são como gêmeos siameses."

As intenções do grupo russo, porém, permanecem obscuras. "Ao mesmo tempo que o Wagner oferece ajuda militar a Hemedti, seu envolvimento nesse conflito continua nebuloso", avaliou Isabella Curie, que pesquisa as atividades do grupo paramilitar.

"É preciso cautela antes de se chegar a conclusões sobre uma potencial aliança entre o Wagner e Hemedti, ou sobre o papel do grupo ao incitar a turbulência civil no Sudão. A instabilidade no país pode ser prejudicial tanto ao governo Putin quanto à rede de Prigozhin, em particular, se o conflito começar a ter impacto sobre a fronteira sudanesa com a República Centro-Africana, onde o fundador do grupo possui relações e contratos de extração de recursos", observou a pesquisadora.

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