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Jayme Brener

Não há perdão por crimes contra a humanidade

Perdoar é abrir mão da busca por punição aos responsáveis

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) durante visita ao Centro Mundial de Memória do Holocausto, em Jerusalém - Alan Santos/Divulgação

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O presidente Jair Bolsonaro (PSL) declarou recentemente que o Holocausto perpetrado pelos nazistas contra judeus, ciganos, demais dissidentes políticos, homossexuais, deficientes e outros “diferentes” pode ser perdoado, mas não esquecido.

Não pode e não deve ser esquecido, e muito menos perdoado. Assim como não deve ser perdoado nenhum outro crime de lesa-humanidade: do massacre executado pelo ditador cambojano Pol Pot, nos anos 1970, ao genocídio em Ruanda, na década de 1990, passando pela tortura generalizada durante os regimes militares na Argentina, no Chile e, claro, no Brasil. 

Nada disso deve ser perdoado por respeito às vítimas, seja qual for o regime responsável. Não se deve e também não se pode perdoar responsáveis por crimes de lesa-humanidade, que a Organização das Nações Unidas (ONU), em resolução que entrou em vigor em 1970, considera imprescritíveis. 

Perdoar significa abrir mão da busca pela punição aos responsáveis, uma pálida, insuficiente —mas justa— reparação às vítimas, aos seus familiares e à sociedade. Foi negando o perdão que milhares de pessoas, quase sempre anônimas, conseguiram levar aos tribunais assassinos nazistas, torturadores chilenos e homicidas em massa sérvios.

E sem a ação dessa gente, que não aceita o perdão, provavelmente o mundo não conheceria criminosos como Manuel Benedicto Lucas García , ex-chefe do Estado Maior do Exército da Guatemala, condenado em seu país pela corresponsabilidade no massacre de dezenas de milhares de camponeses de origem indígena. Sem esquecer de Adolf Eichmann, um dos artífices da “solução final” nazista, executado em Israel em 1962. 

O presidente Bolsonaro até tentou relativizar sua declaração, ao dar-se conta do mal-estar gerado. Mas o fato é que não se pode perdoar porque, ao contrário do que afirmou o mandatário, este seria o primeiro passo para esquecer os crimes perpetrados e, em consequência, suas vítimas. E esquecê-los seria o segundo passo no inexorável caminho de repetir crimes que, com o tempo, serão novamente esquecidos, assim como suas novas vítimas. 

Claro, logo alguém dirá que se trata de cultivar o ódio, reavivar velhas feridas. Para isso existem os acordos de paz, os tratados, os armistícios. Nelson Mandela, com sua imensa generosidade, impediu um banho de sangue na África do Sul. Mas, com toda a legitimidade que tinha, jamais ousou sugerir às vítimas do apartheid que (perdoassem) os crimes cometidos, como fez o mandatário brasileiro. 

Na Europa, os descendentes de agressores e vítimas da Segunda Guerra Mundial hoje convivem em paz. Isso significa encontrar caminhos para que as barbáries não se repitam. Mas jamais o perdão, quanto mais o esquecimento. Aliás, o não perdoar e a lembrança dos crimes cometidos foram fundamentais para que a Alemanha, por exemplo, se tornasse hoje um dos países mais tolerantes do mundo. 

A questão é que o apelo do presidente Bolsonaro ao perdão, no caso do Holocausto, não é um ato isolado. Vem junto de declarações afirmando que o nazismo era “de esquerda”. Perdoar o Holocausto significa esquecer e, no limite, negar a história.

Assim como dizer que o nazismo é de esquerda representa o escárnio para com milhões de antinazistas que o combateram. E demandar que os livros didáticos finjam que não houve ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985 colocaria torturadores e suas vítimas no mesmo plano.

São ações tão graves como negar centenas de anos de avanço científico e jurar que o mundo é plano. O perdão aos responsáveis pelo Holocausto, admitido pelo presidente Bolsonaro, é mais um tijolo do edifício de fake news ou pós-verdades, como queiram os leitores, construído pela ultradireita mundial.

Lembremos que o presidente dos EUA, Donald Trump, considerou “os dois lados culpados” pelo ataque de supremacistas brancos contra comunidades negras em Charlottesville, em 2017.

Trump e Bolsonaro têm o mesmo objetivo: convencer a opinião pública de que vítimas e assassinos não existem; são iguais, não importam os lugares que ocupem nos campos de extermínio, nas naus negreiras ou nos massacres que continuam a acontecer em todo o mundo e no Brasil, a cada dia.

Jayme Brener

Jornalista, diretor do Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil (OJDHB) e autor de “Os Cinco Dedos de Tikal – Comunistas, Judeus Putas e Índios às Vésperas da Segunda Guerra” (Ex-Libris). Editou “Um Homem, Um Rabino”, autobiografia de Henry Sobel (Ediouro)

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