O meio ambiente refém de decretos e MPs
No contexto atual, ouvir a ciência é questão de sobrevivência
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O presidente Jair Bolsonaro não tem demonstrado qualquer constrangimento em efetuar declarações “antiambientais”. Ao mesmo tempo, o governo federal materializa essas declarações em normas. Editou, só no ano passado, 537 decretos e 48 medidas provisórias (MPs), muitas referentes à matéria ambiental.
Essas normas, de forma recorrente, se voltam contra o meio ambiente, portanto atentam contra a Constituição. Para evitar o debate público, a estratégia do governo tem sido governar unilateralmente por meio destas normas infralegais, isolando o debate no Congresso e nos conselhos ambientais.
Há 30 questionamentos judiciais no STF sobre essas medidas. Segundo pesquisa recente, no primeiro ano do mandato do governo Lula foram oito ações; no de Dilma, três; e no de Temer, duas. A pesquisa não considerou os anos de FHC e Collor por se tratar de regras diferentes.
Retrocessos em conquistas sociais e em aspectos protetivos do meio ambiente são evidentes na quase totalidade das medidas referentes à área ambiental editadas em 2019.
Causa perplexidade a inércia com relação a esse modus operandi de governar. Decretos, medidas provisórias, instruções normativas, portarias, entre outras, representam amplo e profundo impacto em múltiplas políticas públicas relacionadas ao meio ambiente a aos povos indígenas, editados ao sabor das conveniências políticas do governo e em atendimento a interesses setoriais.
A sociedade reage. São inúmeras as notícias, documentos, representações, abaixo-assinados e demandas que demonstram tais atentados à proteção ambiental. De outro lado, nota-se a falta de reação à altura por parte das instituições e autoridades responsáveis, especialmente aquelas que se ocupam do controle da legalidade e da constitucionalidade no país.
O "bypass" do Congresso evita que a comunidade científica seja ouvida na discussão de normas e políticas públicas ambientais. Vivenciamos muitos desastres e tragédias em função de políticas públicas e de gestões ambientais ineficazes. Ouvir a ciência é questão de sobrevivência, o que só se torna ainda mais fundamental em um contexto de mudanças climáticas com efeitos cada vez mais visíveis.
Também o conjunto normativo do direito ambiental não deve ser ignorado na edição dessas normas, assim como a participação social, um fundamento da cidadania, e prejudicá-la com mecanismos sistemáticos de edição de decretos, medidas provisórias, entre outros instrumentos, por meio de esquivas ao devido processo democrático —um “cheque em branco” para o retrocesso ambiental, em afronta não só a Constituição Federal, como ao Acordo de Escazú (2018).
É preciso defender a democracia e os direitos fundamentais da sociedade brasileira, e se fazem necessárias medidas urgentes: ajuizar ações e solicitar providências dos órgãos responsáveis pela regularidade constitucional; exigir do governo federal que a edição de normas em matéria ambiental seja precedida pela devida discussão democrática com toda a sociedade, incluindo a ciência.
Finalmente, a sociedade brasileira deve recusar nada menos do que a Constituição Federal garante: os princípios da democracia e da gestão participativa do meio ambiente.
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