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Felipe Santa Cruz

Calote nos precatórios é inconstitucional

Se aprovada, PEC provocará insegurança jurídica e fuga de investimentos

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Felipe Santa Cruz

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

O governo federal enviou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 23/21) que tem por objeto o parcelamento de precatórios federais, além de outras limitações importantes ao pagamento de tais títulos. O tema guarda relação com o orçamento público e a situação fiscal vivida pela União e pode parecer estranho ao cidadão comum. No entanto, se aprovada, a “PEC do calote” trará grandes consequências para milhares de cidadãos e empresas.

Precatórios são despesas de pagamento obrigatório, pois decorrem de ordens enviadas pelo Poder Judiciário ao Executivo, determinando a quitação das condenações que lhe são impostas pelos tribunais. Trata-se do último estágio dos processos judiciais contra a administração pública, por meio do qual são efetivamente reparadas as repetidas lesões causadas pelo Estado aos particulares ao longo de várias décadas.

A PEC visa alterar a sistemática de pagamento hoje vigente, promovendo, na verdade, um calote em dívidas que foram discutidas na Justiça durante anos e que a União foi condenada a pagar. Na prática, o próprio devedor altera as regras do jogo e escolhe como quer quitar suas dívidas. A medida confere injustificável privilégio à Fazenda Pública, em detrimento de cidadãos e empresas que litigaram perante o Judiciário por anos para verem reconhecidos os seus direitos.

E quem são esses credores afetados por essa guinada na regra constitucional? Servidores públicos que obtiveram da Justiça o direito à percepção de reajustes salariais suprimidos ao longo das décadas pela administração pública; aposentados e pensionistas que, após desgastantes litígios judiciais, asseguraram a recomposição dos proventos que lhes foram pagos a menor; pequenas e médias empresas que pagaram impostos indevidamente exigidos pelo fisco.

Segundo a nova sistemática proposta pelo Executivo, a administração teria a prerrogativa de controlar despesa que, por definição, não está no espectro de sua discricionariedade —por ser decorrente de ordem de outro Poder, o Judiciário. Ou seja, trata-se de aviltamento ao próprio objetivo do sistema de precatórios, qual seja, o de assegurar o direito daqueles que foram lesados, em maior ou menor grau, pelo Estado.

Na realidade, a desvirtuação das regras de pagamento dos precatórios federais configura inadimplência. A afirmação “devo não nego, pagarei assim que puder”, dita sem constrangimento pelo ministro da Economia, trouxe efeitos imediatos: o real desvalorizou, a taxa de juros saltou de 9,30% para 10,52% e a inflação subiu quase 1 ponto percentual.

A intenção do governo de deixar de pagar os precatórios já seria preocupante se fosse inédita. No entanto, ao menos em duas ocasiões no passado, o Estado já pretendeu distorcer as regras de pagamento, por meio das PECs nº 30 e 62. O que se verifica agora é uma tentativa do Executivo de parafrasear as propostas passadas, repetindo aquilo que já foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Na última ocasião em que o tema foi apreciado pelo STF (ADIs 4.357 e 4.425), o atual presidente da Corte, ministro Luiz Fux, assentou que “permit[ir] que decisões emanadas do Poder Judiciário, já definitivamente constituídas e revestidas de exigibilidade, percam sua força executiva (...) representa escárnio à nobre função jurisdicional”. Referindo-se ao relator, ministro Ayres Britto, Fux indicou que o colega “bem qualificou a presente Emenda Constitucional [EC 62] como ´emenda do calote´”. Na remota hipótese de aprovação dessa nova proposta de emenda enviada ao Congresso, não se pode esperar destino diverso, senão o questionamento de sua inconstitucionalidade no Supremo.

O Brasil vive um momento delicado do ponto de vista institucional e econômico. A tentativa do governo de flexibilizar o pagamento de despesas sobre as quais não possui ingerência, em detrimento de credores que há décadas aguardam a reparação de seus direitos, nada gera senão indesejada desconfiança na administração pública, insegurança jurídica e fuga de investimentos.

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