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Luís Correia

Conitec: o improvável empate

Ao não refutar o 'kit Covid', comissão perde oportunidade de enterrar controvérsia inútil e prejudicial

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Luís Correia

Professor-adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Frustrando a expectativa dos que defendem políticas de saúde baseadas em evidências, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec) não aprovou a Diretriz de Tratamento Ambulatorial de Pacientes com Covid-19, documento contrário às polêmicas drogas de tratamento precoce desta doença. Com seis votos contrários e seis a favor, criamos recentemente um inusitado empate.

Evitando uma postura meramente opinativa, opto pela lógica científica. Em ciência, "onde há medida, há erro", dos tipos aleatório (acaso) e sistemático (viés)". A postura científica reconhece a incerteza de julgamentos como medidas mentais da realidade. Erro não conota pecado. Cientificamente, conota imprecisão e falta de acurácia. Assim é a natureza de julgamentos profissionais, sejam de juízes, médicos, comentaristas esportivos etc.

Na dimensão probabilística, questões de opinião (gosto) são diferentes de questão de julgamento (escolha). Na primeira, não existe melhor escolha; na segunda, há uma melhor escolha, cuja probabilidade deve predominar. A discussão do Conitec, disponível em vídeo, não caracterizou um assunto de grande controvérsia biológica (eficácia das drogas). Portanto, é razoável estimar que alguma das duas decisões tenha 80% de probabilidade de ser a melhor. Nesta circunstância, a probabilidade binominal do surgimento por acaso de um empate entre 12 votos é apenas 2%. Ou seja, é pouco provável que erro aleatório (acaso) seja a explicação do inusitado. Assim, devemos pesquisar erros sistemáticos ou conceituais (vieses).

Um dos principais argumentos contrários à diretriz foi o de que a ineficácia dessas drogas não está definitivamente comprovada. No entanto, cientificamente, o ônus da prova está na existência, pois é impossível provar inexistência. Argumentar que o "não ato médico" deve se embasar em "não benefício" caracteriza a falha conceitual da "inversão do ônus da prova".

Outro argumento que gerou discussão foi o de que diretrizes não se prestam a contraindicar tratamentos, apenas a indicar. É quase onipresente o papel de diretrizes modernas em identificar condutas populares e inapropriadas, a fim de evitar desperdício ou consequências não intencionais.

O terceiro viés não é específico dessa questão, está presente em qualquer processo de julgamento, independentemente do voto: as armadilhas cognitivas, cuja descrição rendeu Prêmio Nobel ao psicólogo Daniel Kahneman. Em um país dividido por um líder inábil, este fenômeno anda exacerbado em todos, incluindo os defensores da ciência. Seria anticientífico não reconhecer nossa vulnerabilidade.

No processo de tratamento de um Brasil doente, perdemos a oportunidade de enterrar uma controvérsia inútil e prejudicial. Mas o jogo não terminou: esta foi apenas a apreciação inicial. Se a comissão seguir o padrão de qualidade que a fez reconhecida por dez anos de serviço científico prestado ao SUS, um novo empate não acontecerá.

Errar não é anticientífico; persistir no erro, sim.

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