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Passou da hora de discutirmos a transfobia nas escolas

Cenário não pode ser naturalizado, e tema deve ser abordado de forma explícita

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Os dois recentes casos de violência de gênero em escolas envolvendo duas meninas trans, uma em Niterói (RJ) e outra em Mogi das Cruzes (SP), fazem parte de um cenário mais amplo de violência de gênero que acomete não só mulheres cisgênero (aquelas cujo sexo foi assinalado "feminino" no nascimento), mas sobretudo pessoas transgêneras no Brasil, particularmente as mulheres trans e as travestis.

Enquanto numa escola em Mogi das Cruzes uma estudante foi brutalmente agredida por colegas após ter se irritado contra inúmeras violências, na escola de Niterói outra estudante trans sofreu agressões transfóbicas, incluindo recusa de uso do nome social —estivesse este nome registrado ou não— e impedimento de uso do banheiro correspondente ao seu gênero.

Funcionário impede que estudantes continuem agredindo aluna trans em escola em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo - Reprodução/Facebook

Essas agressões resultam de uma cultura transfóbica que se alimenta da ignorância, do medo e do ódio a quem destoa dos padrões sociais. A população brasileira precisa entender que a identidade de gênero de uma pessoa não depende de sua genitália e que é esse o motivo pelo qual meninas trans reivindicam utilizar o banheiro feminino —porque sua expressão, sua mente e sua identidade de gênero são femininas.

A transfobia se expressa nas diversas violências com que pessoas trans se deparam, desde tenra idade, nos diferentes espaços privados e públicos, incluindo a zombaria, o olhar irônico, a inquirição ofensiva, as agressões físicas e psicológicas e a negação do direito ao estudo, à afetividade e ao trabalho formal. Essa desumanização viola os direitos mais básicos dessas pessoas, tais como o livre e saudável desenvolvimento de sua personalidade. Tendo negada sua humanidade, não espanta que as taxas de ideação suicida, transtornos de ansiedade e depressão, automutilação e comportamentos de risco sejam tão frequentes entre a população trans. A situação é ainda mais grave quando se considera o dever legal de proteção integral às crianças e adolescentes previsto no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Mas, apesar da omissão do poder público em monitorar e combater as vulnerabilidades e o sofrimento social dessa população, trabalhos científicos buscam preencher essa lacuna, como o livro "Enfrentamentos do Racismo, Cissexismo e Transfobia na Saúde Mental" (ed. Dandara, 2021), organizado por Neon Cunha, Liamar Oliveira, Jussara Dias e Clélia Prestes. Organizações sociais como a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) também têm reportado os assassinatos de pessoas trans, sendo o Brasil o país com mais denúncias de transfeminícidios no mundo.

A sociedade precisa se mobilizar quanto aos danos individuais e coletivos da violência transfóbica perpetuada cotidianamente no Brasil. Esse cenário não pode ser naturalizado e precisa ser enfrentado com políticas públicas e esforços de todos os setores da sociedade para a prevenção e o combate à transfobia, o que inclui a escola.

Por ser uma instituição que faz parte da rede de cuidado e proteção às crianças e adolescentes, a escola precisa abordar explicitamente o tema da transfobia (e outros como homofobia, racismo e machismo), pois ignorar sua existência —bem como reprimir e silenciar as pessoas trans—, além de não solucionar os conflitos, contribui para aprofundar as hostilidades entre estudantes, a evasão escolar e as violações aos direitos humanos dessas pessoas. É por isso que os profissionais das escolas precisam contar com uma sólida formação inicial e continuada sobre igualdade de gênero e condições adequadas de trabalho que os capacitem a agir na prevenção e em situações de transfobia, considerando-a nas práticas pedagógicas de modo inventivo, sensível, pacífico e dialogado, como se espera da educação.

As instituições democráticas têm o dever de garantir amplamente o direito ao pleno desenvolvimento humano das mulheres, crianças, homens, meninos, sejam pessoas cis, trans ou não binárias. Quando uma pessoa trans sofre violência por sua identidade de gênero, toda a sociedade está sendo agredida, pois os direitos fundamentais ao respeito e à existência digna são de todas, "todes" e todos.

Luz Gonçalves Brito
Doutora em antropologia social (UFRGS)

Sara Badra de Oliveira
Doutora em educação (Unicamp)

Veridiana Campos
Doutora em sociologia (UFPE)

Vitor Blotta
Professor da Escola de Comunicações e Artes e coordenador do Projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas (USP)

TENDÊNCIAS / DEBATES
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