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Andrea del Fuego

Ler e escrever

Se a leitura é intimidade com o mundo, a escrita é o próprio em alta voltagem

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Andrea del Fuego

Escritora, mestre em Filosofia (USP). Traduzida em nove países, autora de nove livros, entre eles "Os Malaquias", vencedor do Prêmio José Saramago.

A cobrança pela leitura vem de todos os lados. É uma exigência, ou ao menos uma qualidade aguardada, das cadeiras escolares ao beletrismo de salão onde o conhecimento literário vale como um licor digestivo.

A literatura edificaria, fazendo a poda dos impulsos pré-letrados, nossos instintos ágrafos, sem palavra, organizaria o grito rousseauniano que originou a língua dos homens. Certamente organiza o regime sensível de apreensão do mundo, nos dá vocabulário para tornar presente o que está ausente, ainda que essa presença nem sempre seja virtuosa como a naturalização do autoritarismo ou o simulacro de felicidade.

Estande da editora Malê na Bienal do Livro da Bahia, em 2021 - Rafaela Araújo - 14.set.21/Folhapress

Há mais liberdade na leitura do que supõem as fichas catalográficas, os livros se organizam conforme os lemos, Alberto Manguel já pontuou que nossa biblioteca é sempre biográfica, ela nos narra. Ou ainda Merleau-Ponty, para quem a leitura é das relações mais íntimas do corpo com o mundo, no sentido de que quando a leitura entra em franca fruição, mal sabemos quais letras os olhos estão seguindo, pois há uma comunicação direta entre o espírito do leitor e o do escritor numa intimidade pouco conhecida em outras relações.

Mas e a escrita? Se a leitura é intimidade com o mundo, a escrita é o próprio em alta voltagem, pois a exigência da escrita é partir de si com passagem comprada para a região da impessoalidade (o mundo) onde há aquilo que não somos, nem seremos, mas ouvimos. E o melhor: ela também não é nada disso, não sabemos o que é.

Há cobrança para ler literatura, mas não para escrever literatura. Talvez pelo fetichismo de uma autoria genial e ilhada. Escrever literatura como alguém aprende dança não para ser a primeira bailarina do Municipal, mas para ter a experiência da escrita artística, mesmo que ninguém a aplauda. Um diário em terceira pessoa onde o tema parece fugir a cada frase enquanto nos surge, num susto, a voz do mundo.

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